quarta-feira, dezembro 21, 2011

Pequeno dicionário de termos médicos - Síndrome piramidal

Iiih, outro termo esdrúxulo, você vai dizer. Mas este termo é bastante usado por neurologistas.

Síndrome piramidal refere-se à perda de força e outras alterações encontradas em pacientes com lesões cerebrais ou da medula que afetam o trato piramidal, ou cortocospinhal (Leia aqui). A síndrome não deve ser usada para referir-se a pacientes com doenças dos nervos, das raízes dos nervos ou dos músculos e da junção entre os músculos e os nervos (respectivamente, teríamos aqui as neuropatias, as polirradiculopatias, as miopatias e as doenças de junção neuromuscular). 

O trato chama-se piramidal por que o cruzamento de suas fibras, quando visto em um corte horizontal, parece uma pirâmide (90% das fibras que saem do cérebro em direção aos músculos cruzam-se na linha média de uma estrutura do tronco cerebral chamada de bulbo ou medula oblonga, loco acima da medula).

Observe abaixo:
https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEilCv-er5h9noJqRG-JckR8pIoz-bt-tVaWg3qOu7ZpUzMUXIQrtwtc8gk1maII4UpPoOd2bA1zOqqKPpDQDWSbUf3Cpbf5DQ-bpj8JdGsMbmk24kGeFo3kHVri-_chbukxLTS7eF4pZlw/s400/MedullaOblongata1.JPG

Este é o bulbo, visto pela frente. Onde está escrito Medulla Oblongata (o nome do bulbo em latim), é onde há a decussação (cruzamento) das pirâmides.

A síndrome piramidal pode ser de dois tipos: deficitária e de liberação, podendo as duas coexistir no mesmo paciente.

Síndrome piramidal deficitária refere-se simplesmente à fraqueza de um lado do corpo ou de uma parte do corpo (hemiparesia, como fraqueza de um lado, tetraparesia, como fraqueza dos 4 membros, ou paraparesia, como fraqueza das duas pernas, ou mais raramente dos dois braços), geralmente com diminuição do tônus muscular (hipotonia = moleza dos músculos). Neste caso, os reflexos elicitados pelo martelinho (reflexos tendinosos profundos) estão diminuídos ou ausentes.

Síndrome piramidal de liberação refere-se à mesma fraqueza, nas mesmas distribuições, mas com alguns sinais a mais. Aqui, os membros afetados não estão moles, mas ao invés, duros e tensos (espasticidade), os reflexos estão exaltados (aumentados, vivos, fáceis de serem obtidos com uma simples marteladinha, ou marteladas em locais que antes não produziam estes reflexos), os músculos estão facilmente excitáveis, e quando estimula-se a planta do pé na sua parte mais externa, o dedão (hálux) ao invés de se fletir (descer), vai para cima de forma gradual (sinal de Babinski).

A importância de saber isso é que na maioria das vezes, por conta da evolução da doença e da adaptação do sistema nervoso à lesão, a síndrome piramidal deficitária acaba evoluindo para liberação piramidal, o que pode ocorrer em dias a semanas ou mais. Isso é bem visualizado nas lesões medulares, onde inicialmente o paciente entra em choque medular, com perda do tônus muscular das pernas (e também dos braços a depender do nível da lesão, se acima ou abaixo do pescoço) e perda de reflexos, e dias após acaba evoluindo para aumento dos reflexos e contraturas dolorosas das pernas (espasticidade).

Eu já vi pacientes que sofreram derrames grandes, e permaneceram com fraqueza associada a perda do tônus muscular (hipotonia) e diminuição dos reflexos (hipo ou arreflexia), sem evolução para liberação piramidal. Estes pacientes que permanecem em síndrome deficitária podem ter mais dificuldade de obter melhora com reabilitação e fisioterapia do que um paciente com síndrome de liberação.

Por último, o uso da toxina botulínica está indicado para os casos de espasticidade (síndrome de liberação) e não para os casos de déficit puro sem liberação piramidal.

As causas de ambas as síndromes são as mesmas: Derrames, traumas cranianos ou medulares, tumores, esclerose múltipla, etc...

Miastenia gravis

Mais um nome difícil para sua coleção de nomes difíceis. Mas esta á uma doença até que comumente encontrada, e é interessante saber um pouco sobre ela.

Primeiro, vamos dar nome aos bois. Miastenia significa músculo (mio) + fraqueza (astenia) - ou seja, fraqueza muscular. Já o termo gravis não significa grave, como severo, mas vem de gravidade, ou seja, a tendência de queda em direção ao solo. O que o termo quer dizer é que há fraqueza muscular com dificuldade na movimentação de músculos que funcionam contra a gravidade, como os músculos das pálpebras por exemplo.

Os sintomas que a miastenia gravis (nos referiremos a esta doença a partir de agora como MG) produz são os de fraqueza muscular, ora localizada geralmente na face, mas que pode ficar generalizada. Essa fraqueza é flutuante, ou seja, o paciente até acorda bem, mas a fraqueza vai se instalando ao longo do dia. Nos pacientes mais típicos, a fraqueza começa nas pálpebras e nos olhos, com visão dupla e dificuldade de focalizar as imagens na retina. Esses sintomas podem ser sutis, mas podem evoluir rapidamente para fraqueza mais difusa, e mesmo dificuldade para respirar em casos mais graves. Os sintomas podem, no entanto, ficar restritos aos olhos e à face por anos.

E o que ocorre aqui? Vamos entender rapidamente algo chamado de junção neuromuscular, ou seja, a união entre o nervo e o músculo que ele inerva. O problema da MG está todo aí!

Observe abaixo:

 http://www.afh.bio.br/nervoso/img/Nervos5ab.jpg

Esta figura demonstra um terminal nervoso (um nervo), o axônio, juntando-se ao músculo (o bloco logo abaixo, cheio de pequenas estruturas amarronzadas, as mitocôndrias, que produzem energia). O espaço entre eles chama-se de fenda neuromuscular, e é aqui que o nervo libera substâncias chamadas de neurotransmissores, neste caso, a acetilcolina (ACh), substância que liga-se a proteínas nos músculos, chamadas de receptores, e é daí que se inicia a contração muscular. Complicado? Parece, mas não é!

Observe mais abaixo:

http://4.bp.blogspot.com/_P-MzoBY5JIc/S-7gx2dsYuI/AAAAAAAABIo/5T7UubXgiQA/s400/miastenia2.JPG


Esta figura demonstra o nervo (em amarelo), cheio de vesículas (bolinhas) cheias de ACh, liberando-as na fenda sináptica, onde elas vão agir sobre os receptores. A ação da ACh sobre os receptores leva à contração muscular (tô me repetindo para que você entenda mais facilmente).

Mas, o que ocorre na MG?

Ora, aqui há um "ataque imune" aos receptores de ACh. Ataque imune quer dizer que anticorpos são produzidos contra os receptores da própria pessoa. Isso mesmo. E os receptores inativados pelos anticorpos param de receber a ACh, ficam parados, e não conseguem fazer o músculo trabalhar. Por isso que pela manhã, o paciente está bem, e por isso que a doença vai piorando ao longo do dia. Por que os receptores que sobraramn, que não foram atacados, estão livres. Mas à medida que os músculos vão sendo recrutados e recrutados, a fraqueza aparece. Por isso que um exercício intenso em um paciente com MG leva a fraqueza mais rapidamente.

Observe abaixo:

 http://t3.gstatic.com/images?q=tbn:ANd9GcT_ja9FzyFnJ2slf1epPtDnZyMHViKv8OCWy1nLLZ5wi1gmOPOSag


Nesta figura, o normal está à esquerda, e a MG à direita. Observe que na junção normal, os receptores estão plenamente desenvolvidos e cheios de ACh. Já na MG, os receptores estão "pelados", sem ACh, e estão em menos número, por que os anticorpos os destroem.

Existe alguma relação de MG com alguma doença sistêmica? Sim, algumas doenças autoimunes como lúpus eritematoso podem ter sintomas miastênicos. Há um tumor benigno no tórax, que deve sempre ser pesquisados em pacientes com MG, que é o timoma (tumor do timo), mas às vezes pode ser somente aumento não tumoral do órgão (hiperplasia tímica). Se identificado, sua retirada pode (e eu disse pode) melhorar os sintomas.

Qual o melhor exame para identificar a doença? É a eletroneuromiografia com estimulação repetitiva do músculo examinado a 3 estímulos por segundo, que mostra uma diminuição da resposta do músculo ao longo da estimulação.

A MG tem cura? Não, mas tem tratamento, que permite ao paciente viver bem por muitos anos. O tratamento baseia-se em esteróides e no uso de medicações que inibem a enzima que destrói a ACh na fenda sináptica, a acetilcolinesterase (AChE), assim fazendo com que a ACh fique mais tempo em contato com os receptores. Há também outras medicações imunossupressoras nos casos mais graves.

E lembre-se - este artigo é somente informativo. Qualquer dúvida sobre diagnóstico e tratamento, refira-se ao seu neurologista.