quarta-feira, agosto 08, 2012

O que é a imunoglobulina humana e para que serve?

Antes de saber sobre o que é a imunoglobulina humana, ou IgIV (Imunoglobulina IntraVenosa), temos de falar um pouco sobre anticorpos. 

O nosso sistema imunológico é formado basicamente por dois sistemas, interligados. O sistema celular e o sistema humoral. O sistema celular compreende as células de defesa, os linfócitos, os macrófagos, e várias outras células que têm como objetivo combater as infecções e corpos estranhos em nosso corpo. Estas células agem através de um mecanismo chamado inflamação, ou seja, a saída de células e mediadores químicos, que chamamos de citocinas, da corrente sanguínea para os tecidos, quando da invasão destes por vírus, bactérias, fungos ou corpos estranhos, como um pedacinho de vidro ou uma farpa de madeira no dedo.

Já o sistema humoral é formado pelas células B ou linfócitos B e plasmócitos, além dos produtos de sua ação, os anticorpos. Anticorpos são substâncias que agem grudando-se ao corpo estranho ou ao micro-organismo invasor, e assim levando à sua destruição através de um processo chamado de opsonização, ou seja, a sua sobre um corpo estranho ativa um sistema chamado de sistema ou cascata do complemento, cuja ação final é a destruição do objeto invasor. 

Observe abaixo um anticorpo:

http://www.oocities.org/sssiqueira/anticorpo2.jpg

Observe que estas moléculas possuem duas partes ligadas por pontes de enxofre (S-S). Eles ligam-se às estruturas invasoras através das cadeias leves, que são variáveis, ou seja, dependem da célula que produz e do objeto para o qual ele está sendo produzido. Nosso sistema imunológico possui memória, a memória imunológica, e há já guardadas nesta memória informações de várias substâncias nocivas e agentes infecciosos que já nos infectaram um dia, sendo que se eles vierem novamente, nosso sistema já sabe como lidar com eles. 

Os anticorpos possuem outro nome, imunoglobulinas ou Ig, e dependendo de onde e por quem são produzidos, e também com qual finalidade são produzidos, sua estrutura pode mudar, levando às várias formas de imunoglobulina, ou seja, IgA, IgD, IgE, IgG e IgM. Está fora do contexto deste blog explicar cada forma de imunoglobulina, já que isso foge ao escopo da neurologia. Se quiser saber mais sobre isso, vá aqui.

Bem, mas os anticorpos só fazem o bem? Não! No tópico deste blog sobre doenças autoimunes, falamos de doenças causadas pela própria ação de nosso sistema imune, e os anticorpos podem sim levar a doença quando liberados de forma errada e/ou sobre estruturas próprias do corpo, algo que chamamos de reação cruzada. Quando um micro-organismo nos infecta, e por exemplo uma proteína de sua parede celular se parece com uma proteína de nosso sistema nervoso ou de nossa pele, o sistema imunológico hiperativado pode acabar atacando estas proteínas próprias do nosso corpo, e levar a doenças. 

E há várias doenças neurológicas que possuem como mecanismo fisiopatológico a ativação anormal de nosso sistema imune. Já falamos de algumas delas, como a síndrome de Guillain-Barrè, a esclerose múltipla, e outras como a polimiosite, da qual falaremos mais em tópicos posteriores, as encefalites autoimunes e outras doenças.


Há vários mecanismos para explicar seus efeitos, mas os mecanismos precisos são pouco conhecidos. Sabe-se que a IgIV pode funcionar como um anticorpo inibitório, mediando respostas anti-inflamatórias. Fora isso, parece que os anticorpos da medicação podem se ligar aos anticorpos que causam a doença em questão, estimulando sua remoção. Sabe-se que esta medicação não é imunossupressora, ou seja, não suprime ou inativa o sistema imune como o faz certos quimioterápicos usados no tratamento de cânceres, mas é imunomoduladora, modula a resposta imunológica tornando-a mais branda. 

A IgIV é formada a partir dos anticorpos retirados do sangue de milhares de doadores, daí o custo da medicação, que é bastante cara mas acessível através de planos e seguros de saúde para as indicações previstas em literatura. O plasma doado é limpo várias vezes em processos de remoção de impurezas. Não há registros de infecções causadas pelo uso de IgIV (segundo artigo publicado por Feasby e colaboradores de 2007 na revista Transfusion Medicine Reviews - leia aqui para os que sabem fala inglês e se interessarem por artigos técnicos). Foi publicado em 2004 pela ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), e disponibilizado na internet gratuitamente, um consenso sobre o uso de IgIV na prática médica, para todas as indicações até aquela época, mesmo as neurológicas (leia aqui).

As doenças neurológicas que podem se beneficiar do uso correto da IgIV são:

1. Encefalopatia Disseminada Aguda (ADEM)
2. Polineuropatia inflamatória desmielinizante crônica (CIDP ou PDIC)
3. Síndrome de Guillain-Barrè
4. Alguns tipos de polineuropatias, doenças do sistema nervoso periférico
5. Dermatomiosite e Polimiosite, doenças inflamatórias dos músculos
6. Algumas formas de neuropatia diabética
7. Síndromes miastênicas, e a crise miastênica, episódio grave que pode ocorrer em alguns pacientes com miastenia gravis
8. Síndrome da pessoa rígida, ou stiff-person syndrome
9. Doenças neurológicas paraneoplásicas (leia no tópico específico deste blog sobre estas doenças)
10. Alguns tipos de encefalites

Há ainda outras indicações que estão sendo estudadas. E como saber se o que você tem pode ser tratado com imunoglobulina humana?

Simples - discuta isso com o seu médico. Ele também lhe informará sobre indicações, contra-indicações (existem contra-indicações que devem ser bem discutidas), doses e efeitos colaterais.

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Comente na minha página do Facebook - Dr Flávio Sekeff Sallem,
Médico Neurologista