sábado, maio 19, 2012

Neurite óptica


Artigo escrito pelo Dr. Diego Zanotti Salarini, médico neurologista do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo, do Hospital das Clínicas da FMUSP, e da Santa Casa de SP, e gentilmente cedido pelo mesmo para publicação no blog. 

“- Doutor, faz uns 6 dias que percebo minha vista embaçada!
  - Fale-me, começou subitamente ou veio aos poucos?
  - Veio aos poucos dentro de uns 2 dias, porém piorou rapidamente após isso.
  - De um olho ou dos dois? 
  - De um só, o direito.
  - Você já apresentou isso antes?                                   
  - Nunca doutor.
  - Alguém mais na família já apresentou isso ou outros problemas neurológicos?
  - Não.
 - Então temos que investigar isso. Não sei ainda o que você tem e não posso afirmar nada nesse momento.”

Esse é um diálogo que com frequência temos no consultório. Frequentemente é uma jovem, de origem caucasiana (branca) e sem antecedentes de doenças. Pode ou não ter sido vacinada para alguma doença recentemente ou apresentar outros sintomas ao mesmo tempo. Contudo o que vem na nossa cabeça é:  isso é uma neurite óptica ou não?

Primeiro devemos conceituar o que é neurite óptica (NO). A NO é uma doença que acomete o nervo óptico (o nervo que sai do olho, e que nos permite ver) e causa problemas na transmissão dos impulsos nervosos de origem na retina (devemos lembrar que o termo óptico é relacionado com a visão e ótico relacionado com o ouvido). Normalmente vem dor de cabeça associada e apresenta redução da percepção de cores (discromatopsia), principalmente o vermelho.

Ao exame, podemos ou não encontrar alterações do nervo óptico ao fundo de olho (quando há alterações, especialmente inchaço na papila, ou seja, a área por onde o nervo óptico sai do olho, chamamos a neurite de bulbar; quando não encontramos, chamamos a neurite de retrobulbar, ou seja, atrás do bulbo), alteração da contração pupilar ao exame com lanterna (pupila de Marcus-Gunn, quando a pupila do lado afetado não contrai, não fecha, quando jogamos luz no olho - falaremos dela no próximo post; então, fique ligado), dor a movimentação ocular e baixa acuidade visual.



Os estímulos se originam na retina causando um impulso nervoso que usa o nervo óptico como uma estrada e que em determinado nível mistura as informações dos dois olhos (isso conhecido como quiasma óptico). Após o quiasma, as vias ópticas ainda se comunicam com outras partes do encéfalo até terminarem no córtex occipital (relacionado com a visão). Logo a neurite óptica é uma doença muito restrita no sistema nervoso.

http://www.medicinageriatrica.com.br/wp-content/uploads/2007/10/retina.jpg
Observe o olho acima, e as vias visuais saindo do nervo óptico para o cérebro, abaixo:

http://www.oftalmologia.fcm.unc.edu.ar/imagenes/via%20optica%20refleja.gif
As causas para neurite são variadas e as enumero na tabela abaixo.

CAUSAS DE NEURITE ÓPTICA
ESCLEROSE MÚLTIPLA
LUPUS
NEUROMIELITE ÓPTICA
SÍFILIS
MEDICAMENTOS
APÓS VACINAS
DOENÇA DE LYME
SARCOIDOSE
TUBERCULOSE
VÍRUS DO HERPES
DOENÇA DE SJÓEGREN
NEURITE RECORRENTE
ARTERITE TEMPORAL


No meio desse vasto número de causas devemos ter em mente que o divisor de águas é a história clínica e os dados do paciente. Como diria um professor meu: “A história do paciente é essencial. É o único método diagnóstico em que o examinado fornece o diagnóstico para o examinador (em até 90% dos casos)”, como já observado neste blog em posts anteriores.

Os principais dados clínicos são: sexo, idade, origem racial, modo de início, tempo de duração, sintomas associados, história familiar. Com esses dados montamos um bom quebra-cabeça e usamos os métodos certos para o diagnóstico.

A principal causa é a Esclerose Múltipla (EM), que tem preferencia por mulheres jovens. Tem bom prognóstico de recuperação, segundo estudos científicos na área (um deles intitulado ONTT - referência técnica para os interessados). Seu tratamento em suma é com corticoide, podendo ser oral ou endovenoso.

Sempre que apresentar um quadro semelhante ao que foi exemplificado no diálogo no início do texto procure um oftalmologista. Se o exame clínico vier normal procure um neurologista para prosseguir a investigação e o tratamento.