quarta-feira, fevereiro 20, 2013

Uso de estimulador supraorbital para enxaqueca

Artigo publicado na famosa revista de neurologia Neurology, na edição de 19 de fevereiro de 2013 (acabou de sair do forno!) (leia aqui o resumo em inglês).

O estudo foi feito por pesquisadores de universidades da Bélgica.

O seu objetivo foi avaliar a eficácia e segurança de neuroestimulação trigeminal usando um estimulador transcutâneo (através da pele) supraorbital (acima da órbita) no tratamento da enxaqueca.

Adendo: O nervo supra-orbitário é um ramo do nervo trigêmeo, que inerva a área por cima dos olhos. Sendo um ramo do trigêmeo, e sabendo-se de posts anteriores que o trigêmeo é o nervo craniano aparentemente responsável pela enxaqueca, o uso de estimulação indireta do trigêmeo através de um dos seus ramos pode, talvez, levar a melhora da enxaqueca. Observe o nervo supra-orbitário abaixo, junto com outros ramos do trigêmeo:

http://web.squ.edu.om/med-Lib/MED_CD/E_CDs/anesthesia/site/content/figures/3043C01.gif

O estudo englobou pacientes com pelo menos 2 crises de enxaqueca por mês (ou seja, desde casos "leves" a casos mais graves), nos quais o estimulador foi aplicado diariamente por 20 minutos por 3 meses. 

Sessenta e sete pacientes foram incluídos no estudo. Houve diminuição do número de crises de enxaqueca por mês nos pacientes estimulados, acompanhada de diminuição da quantidade de medicações usadas e do número de dias por mês com cefaleia. Não houve efeitos colaterais. 

A conclusão dos autores é que a estimulação supraorbitária com o aparelho de neuroestimulação levou a melhora de 26% na dor, ou seja, semelhantes para outras técnicas de tratamento, incluindo medicações. 

Mais estudos, no entanto, são necessários. 


terça-feira, fevereiro 19, 2013

Pequeno dicionário de termos médicos - Aura enxaquecosa

Aura (Não confundir com o nome Áurea) é um sintoma que geralmente precede, vem antes da enxaqueca, mas pode acompanhá-la. Relaciona-se a alterações bioquímicas cerebrais e elétricas neuronais que, em geral, começam na região de trás do cérebro, a região occipital, e trafegam o córtex cerebral, produzindo sintomas que se parecem com os de um derrame, mas que são passageiros, precedem uma dor de cabeça já conhecida, e se repetem ao longo dos meses ou anos. 

A aura mais comum consiste de alterações visuais, como bolas escuras (escotomas) ou coloridas (fosfenas), brilhantes (escotomas ou fosfenas cintilantes) que aparecem na parte externa (temporal) do campo visual, e aumentam e diminuem, ou seguem em direção ao centro da visão, podendo haver perda de parte ou de toda a visão por algum tempo. Linhas coloridas ou brilhantes que aumentam e diminuem, ondas no campo visual, ou somente perda visual também pode ocorrer - são as auras visuais.

Outras formas de aura podem ocorrer, como dormências na face ou membros, e mais raramente fraqueza em um membro. Estes sintomas são mais raros, e podem sugerir diagnósticos diferentes como migrânea hemiplégica (uma forma genética rara e grave de enxaqueca) e migrânea basilar (uma forma rara de enxaqueca que pode vir com dificuldade para falar e engolir, alteração da consciência, desequilíbrio e alterações visuais e tonturas).

As auras são, em geral, semelhantes entre as crises. E costumam durar de 5 minutos a 1 hora, raramente ultrapassando este tempo. Caso a aura dure mais tempo, necessita-se estudar melhor o paciente, pois há risco de ser outra doença, ou mesmo de ter havido lesão cerebral causada pela enxaqueca (sim, enxaqueca não tratada pode raramente levar a derrames).

A aura pode preceder a dor (ou seja, a dor começa assim que a aura acaba) ou pode acompanhar a cefaleia. 

Mas deve-se atentar para algo muito importante: Caso você nunca tenha tido sintomas de aura nas suas dores, e de repente eles aparecem, uma avaliação neurológica deve ser feita a fim de se afastar outras causas de lesão cerebral antes de se classificar o sintoma como aura de enxaqueca. Lembre-se que são necessárias pelo menos 5 crises semelhantes de cefaleia com sintomas semelhantes a auras, com exames de imagem normais (tomografia e ressonância magnética), para que um diagnóstico de enxaqueca com aura seja dado. 

Exemplos de auras visuais tirados da internet:

https://encrypted-tbn2.gstatic.com/images?q=tbn:ANd9GcRxC8YXYotd-sB60CvGj-JnzJsIFN8swPOcNo9KMKL6u8uDAqqEdw
https://encrypted-tbn3.gstatic.com/images?q=tbn:ANd9GcT0o277BwT1YLa_KZAsxmFpxt_GyLctKFRno716eVuEp8bHblpB
http://headacheandmigrainenews.com/news-images/migraine-aura-animation.jpg



https://encrypted-tbn2.gstatic.com/images?q=tbn:ANd9GcR-IFRxT_MaCKWMkwhZXi59G7i-L9LWSxq88ipsEt8XCibqcynB

segunda-feira, fevereiro 18, 2013

Perguntas que os pacientes fazem - Enxaqueca tem cura?

Esta pergunta sugere um tratamento eficaz e definitivo contra a enxaqueca. No entanto, a resposta ainda não é um sim. 

A enxaqueca é uma doença da transmissão neuronal cerebral, que se encontra alterada por conta da liberação de substâncias que exacerbam a resposta dolorosa, como o peptídeo relacionado ao gene da calcitonina (CGRP), além de outras substâncias como a noradrenalina e a serotonina.

Não se conhecem todos os meandros da enxaqueca, e sua causa exata ainda é um mistério. Mas sabe-se que há fatores genéticos envolvidos (que serão discutidos em outro post), pois há relatos de famílias inteiras acometidas pela doença. Fora isso, estímulos muitas vezes inócuos, como sede, estresse ou fome, e mesmo a menstruação, podem levar a episódios de enxaqueca.

Tudo isso transforma a enxaqueca em uma doença multifatorial, ou seja, com muitos fatores envolvidos, e que, por isso, acaba por representar um desafio ao médico em termos de tratamento.

Não, a enxaqueca não possui cura, ainda! Mas há tratamentos eficazes, tanto para abortar a dor como para prevenir sua chegada (o tratamento profilático).

Muitas medicações estão sendo usadas neste tratamento, além, é claro, de técnicas não medicamentosas, como estimulação magnética transcraniana e acupuntura, e mais recentemente o uso de toxina botulínica.

Mas não se preocupem. Qualquer novidade no tratamento deste sério problema de saúde pública, e o blog estará atento para trazê-la a vocês. 

sábado, fevereiro 16, 2013

Pequeno dicionário de termos médicos - Arterite temporal

Arterite é um termo usado para descrever inflamação (sufixo itis) de uma ou várias artérias. Artérias são os vasos musculares que saem do coração e vão irrigar os órgãos internos. Uma arterite é uma subclasse de um conjunto maior de doenças, as vasculites, caracterizadas pela inflamação dos vasos, e que são doenças reumáticas. 

A arterite temporal é uma doença que faz parte de uma subclasse de vasculites (sim, as vasculites são realmente complicadas), as arterites de células gigantes, que possuem esse nome por conta do achado microscópico dos vasos acometidos por estes doenças.

Temos basicamente dois tipos de arterites de células gigantes - A arterite de Takayasu, e a arterite temporal. Vamos nos deter aqui na arterite temporal, por que é uma causa rara mas devastadora de dor de cabeça secundária.

Vamos primeiro apresentar-lhe sua artéria temporal, ramo da artéria carótida externa (seus vasos são como rios, cheios de ramos):

http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/7/7b/Gray508.png/586px-Gray508.png
Os vasos em vermelho são as artérias de sua face. A artéria temporal é esta aqui embaixo:

https://encrypted-tbn2.gstatic.com/images?q=tbn:ANd9GcSw6N18IglMTpJ7KlpKwXnQ9XHJ_b82CC57W85w1NWpa2pggINE
A arterite temporal afeta, entre outras artérias, esta artéria temporal. Na verdade, a afecção desta artéria é o menor problema, pois o mais importante é a doença dos vasos arteriais que vão para a retina e o nervo óptico, o que pode levar a sérios problemas visuais nos pacientes sem tratamento desta doença.

A arterite temporal é doença de pessoas mais velhas, acima dos 60 anos de idade em geral. O diagnóstico deve sempre ser suspeitado em qualquer pessoa idosa com dor de cabeça de início recente (que nunca tenha tido dor de cabeça parecida, ou que tenha observado piora de dor anterior), em geral de um lado da cabeça. 

O achado de exame mais importante é o espessamento da artéria temporal, que no entanto não aparece em todos os pacientes. Eu, na verdade, já vi alguns pacientes com arterite temporal, e poucos apresentavam espessamento da artéria temporal. Observe abaixo o que estou falando:

https://encrypted-tbn2.gstatic.com/images?q=tbn:ANd9GcRGbVhknX0s8xFsL9lnpPrqEvHzpr3UrpZ95OQhUqir0KowD-qBxA
O paciente pode se queixar de alterações visuais iniciais, como flashes de luz ou perdas momentâneas de visão, em geral do mesmo lado da dor. 

Alguns pacientes observam quando indagados, que semanas a meses antes dos sintomas de dor de cabeça ou alterações visuais, estavam já apresentando sintomas gerais, como fraqueza, moleza, dor nas articulações, dor muscular, dificuldade de abrir a mão pela manhã (rigidez matinal) e febre ocasional ou diária, baixa - estes sintomas, quando acompanhando a arterite temporal, indicam o que conhecemos como polimialgia reumática, e são fortes indicativos do diagnóstico de arterite temporal como causa da dor de cabeça.

Já outros pacientes podem ter sensibilidade ao toque no local de dor, feridas na língua do mesmo lado, e alguns poucos pacientes observam que, ao mastigar, têm de parar por conta de dor na mandíbula e músculos da mastigação do mesmo lado da dor de cabeça (o que chamamos de claudicação de mandíbula).

O mais grave da doença é a perda visual nos pacientes sem tratamento, que começa do mesmo lado da dor, pode se estender para o outro lado, e que pode acontecer em todos os pacientes com esta doença que não se submeterem ao tratamento adequado. A perda em geral é irreversível, mas pode ser completamente evitada com o tratamento da doença.

E o diagnóstico? É feito descartando-se outras doenças e, principalmente, solicitando-se exames de sangue que confirmem inflamação, como o VHS (Velocidade de HemoSsedimentação) e o PCR (Proteína C-Reativa), que geralmente estão bem altos. 

Mas, e se houver outras doenças inflamatórias ou infecciosas, como uma infecção urinária, por exemplo,  acometendo o paciente ao mesmo tempo? Outras doenças, como qualquer inflamação ou infecção, podem aumentar estes marcadores inflamatórios também, pois são inespecíficos, ou seja, não são específicos para nenhuma doença. Então, na suspeita clínica, o médico pode solicitar uma biópsia da artéria temporal, ou seja, solicita-se ao especialista cirurgião arrancar um pedacinho da artéria acometida (ou mesmo do outro lado, que já pode estar doente também mesmo sem sintomas) para exame - este procedimento que é simples (acreditem em mim, é simples mesmo) é o exame mais importante para detectar a doença e permitir um tratamento adequado. 

O tratamento deve ser começado imediatamente assim que se suspeitar da doença, e geralmente usam-se os corticoides como primeira opção. Os médicos indicados no tratamento são o reumatologista e o neurologista.

O que eu quero que os meus amigos leigos saibam desta pequena aula acima é:

Sempre que uma pessoa de idade começar uma dor de cabeça nova, independente de ser leve ou não, deve ir ao neurologista, pois pode, sim, ser algo benigno, como um resfriado, uma sinusite ou um mau jeito no pescoço. Mas pode ser algo mais sério, como a doença que acabamos de descrever. Logo, não hesite em ir ao médico nestes casos, agora que você já conhece o que é a arterite temporal.

sexta-feira, fevereiro 15, 2013

O cérebro dói?

Não, o cérebro não dói. O cérebro não possui terminações nervosas de dor, e assim é possível fazer cirurgias intra-cerebrais com o paciente acordado (como é o caso das cirurgias de colocação de marcapasso cerebral para doença de Parkinson).

Mas então, o que dói na cabeça?

Doem os nervos que saem do cérebro e nele entram, dói a membrana que envolve os ossos do crânio (periósteo, que aliás é a membrana que envolve qualquer osso do corpo), doem os vasos (tanto veias com artérias) que entram e saem do cérebro, respectivamente. Doem os músculos e suas membranas, as articulações dos ossos da coluna e seus ligamentos. Doem a pele e o tecido embaixo dela. Doem as estruturas ao redor, como dentes, mucosa da boca. 

Então, agora você sabe que o cérebro não dói. 

Mas de onde vem aquela dor de cabeça? Não é do cérebro?

Sim, mas não exatamente dor do cérebro. 

Se o cérebro doesse, teríamos dor por lesão cerebral, o que caracterizaria o que chamamos de dor nociceptiva, causada por lesão aguda ou subaguda, como é o caso de uma queimadura, um trauma ou um corte. Este tipo de dor o cérebro não apresenta. No caso das dores de cabeça de origem cerebral (pois temos dor de origem na coluna, nos dentes, nos seios da face, na garganta, nos músculos, etc) temos, na realidade, uma dor dita neuropática, por lesão e modificação (plasticidade) do sistema nervoso, como é o caso da dor da neuropatia diabética, da dor em coto de amputação, ou da dor na neuralgia pós-herpética. É dor produzida por estruturas cerebrais mas que nada tem a ver com lesão, já que a lesão, se é que existiu (e muitas vezes não há lesão identificável), já aconteceu há algum tempo, e a dor se mantém por alterações plásticas dos neurônios e vias cerebrais e medulares. 

No caso da enxaqueca, que é uma dor neuropática, houve lesão em algum momento? Não! Mas por que dói? Por conta da liberação de substâncias, e por conta de alterações em vias neuronais, com a produção de dor espontânea ou após algum gatilho, como estresse, menstruação, falta de sono ou jejum prolongado. 





Cefaleias primárias

Cefaleias primárias são aquelas de causa desconhecida, ou seja, cuja origem não pode ser explicada por uma lesão cerebral ou alguma lesão em outro lugar do corpo. Diferencia-se, portanto, das chamadas cefaleias secundárias, onde há uma causa identificável para a dor de cabeça.

As cefaleias primárias podem ser classificadas em:

1. Cefaleia tensional - A forma mais comum de cefaleia primária, onde há dor em pressão ou aperto frontal, fronto-nucal ou holocraniana (na cabeça toda). Costuma ser leve, não atrapalha as atividades da vida diária, e raramente leva o paciente a procurar o médico.

2. Enxaqueca - A forma mais comum de cefaleia primária nos consultórios e pronto-socorros. Caracteriza-se por uma dor intensa, latejante, uni ou bilateral (de um ou dos dois lados da cabeça), que atrapalha e incomoda, acompanhada de dificuldades com a luz e barulhos, além de náuseas e vômitos. 

3. Cefaleia em salvas - Forma rara de cefaleia primária, acomete mais homens jovens e de meia-idade. Caracteriza-se por dor intensa, em facada, ao redor de um olho, em crises que podem vir de madrugada ou o dia todo. Pode haver lacrimejamento, queda de pálpebra e olho vermelho, todos do mesmo lado da dor. 

Outras formas de cefaleia primária são descritas. No entanto, para as outras formas menos comuns, temos que descartar causas mais graves antes de caracterizar as crises como primárias, o que significa que não teremos causa identificável para elas.

Um exemplo é a cefaleia em trovoada. Cefaleia em trovoada, ou no inglês Thunderclap Headache, é uma forma de cefaleia súbita, intensa, que ocorre em toda a cabeça. O primeiro episódio dessa forma de cefaleia sempre leva o médico a suspeitar de uma ruptura de um aneurisma cerebral ou algo mais grave. Mas quando o paciente é completamente investigado, e mantém crises de cefaleia parecida com a primeira, acaba-se por classificar a dor como Cefaleia em Trovoada Primária. Ou seja, até chamá-la de primária (ou sem causa definida), há um longo caminho diagnóstico a ser percorrido.

Falaremos mais das cefaleias secundárias em post subsequente.

E aguarde, estamos preparando um post sobre genética da enxaqueca. 

sábado, fevereiro 09, 2013

Qual a causa da enxaqueca?

A enxaqueca (ou migrânea) é uma dor de cabeça específica, de sintomas e evolução já bem conhecidos. É uma doença diferente das outras que cursam com dor de cabeça. Na verdade, há a possibilidade de a enxaqueca ser uma doença que vá além da dor de cabeça, ou seja, ela não causa somente dor de cabeça, já que alguns pacientes, especialmente aqueles com enxaqueca sem tratamento, apresentam derrames por conta da enxaqueca.

Antigamente chamava-se a enxaqueca de cefaleia vascular, ou seja, causada por problemas vasculares (constricção ou fechamento dos vasos acompanhada de dilatação dos vasos). Mas os estudos mudaram esta visão, e hoje entende-se a enxaqueca como uma dor neuropática, ou seja, uma dor de origem no sistema nervoso (entenda o que é dor neuropática neste post). 

Sabe-se que no cérebro há núcleos que geram estímulos dolorosos, e núcleos que modulam estes estímulos. E há também substâncias que aumentam ou diminuem o limiar de dor (ao aumentar o limiar de dor, a pessoa sentirá dor somente com estímulos muito intensos; e o contrário também é verdadeiro). Um exemplo das substâncias que aumentam o limiar de dor são as endorfinas endógenas, substâncias que modulam para baixo a sensação de dor. E um exemplo de uma substância já bastante estudada, e que poderia levar à dor é o (guarde esse nome) Peptídeo Relacionado ao Gene da Calcitonina, ou CGRP. Sugere-se que um aumento em suas concentrações levariam a um aumento na sensibilidade cerebral a estímulos dolorosos. Um estudo da famosa revista médica Nature Neurology sugere que estados como estresse, menstruação ou fome poderiam levar a aumento nas concentrações desta substância (veja abaixo).

http://cienciasecognicao.org/neuroemdebate/wp-content/uploads/2012/10/nrneurol_2010_127-f1.jpg

Pain significa dor. Phonophobia (fonofobia) e Photophobia (fotofobia), o mal-estar que o barulho e a luz (respectivamente) fazem em pacientes com enxaqueca seriam também resultado das alterações dos níveis de CGRP (nos tubos no meio da imagem) no sangue e no cérebro.

Toda esta cascata de eventos levaria a inflamação das terminações do nervo trigêmeo, o nervo que entra no cérebro pela ponte, e que é responsável pela sensação da cabeça, fossas cranianas e face com olhos, seios paranasais e boca. 

Abaixo, uma figura também tirada da revista Nature Neurology demonstrando o que possivelmente acontece no cérebro para que a dor seja gerada. Não se deixe levar pela complexidade da figura. Não tente, tampouco, decorá-la. É meramente ilustrativa. A explicação vai abaixo da figura.

http://www.nature.com/nrn/journal/v12/n10/images/nrn3057-f1.jpg
Os nervos sensitivos que saem da cabeça e do pescoço em direção ao cérebro viajam através do nervo trigêmeo e de seus ramos, que são muitos e espalhados pelo couro cabeludo e face, e atravessam o gânglio trigeminal (na figura TG). Ou os nervos atravessam ramos dos nervos que entram pela medula cervical, em geral os nervos que inervam a parte de trás da cabeça e pescoço, e entram no sistema nervoso através do nervo occipital maior e gânglio cervical (na figura CG), fazendo sinapse já dentro do cérebro com  neurônios do complexo trigeminocervical (TCC) (o que explica por que a enxaqueca dá dor na nuca!). Os nerônios no TCC atravessam o trato trigêmino-talâmico (que liga os neurônios trigeminais ao núcleo mais importante do cérebro, o tálamo) e entram no tálamo do lado oposto (Thalamus).  Há uma conexão entre os neurônios do TCC com neurônios localizados em um núcleo chamado de núcleo salivatório superior (SuS) localizado na ponte, e que através do gânglio esfenopalatino (SPG) inerva os vasos cranianos (o que pode explicar, em parte, as alterações vasculares da enxaqueca). A ativação do reflexo dito trigêmino-autonômico (através destas conexões citadas acima) contribui para os sintomas autonômicos vistos na enxaqueca, e não somente nela (lacrimejamento, olho vermelho ou quemose, saída de secreção nasal ou rinorreia, alterações de sudorese facial e dor da face). Outros neurônios do TCC mandam axônios para núcleos outros no tronco cerebral, como o Locus Coeruleus (LC) e a substância cinzenta periaquedutal (PAG) e também para outras estruturas no tálamo e no hipotálamo (hypothalamus), e que mandam estas informações para o córtex cerebral. Já o córtex, por sua vez, acaba mandando informações de volta para o tálamo e hipotálamo e para o LC. A modulação dos neurônios do TCC (modulação das vias de dor) ocorre via núcleos hipotalâmicos, incluindo o núcleo dopaminérgico A11, e projeções vindas da PAG passando através de uma área chamada de bulbo ventromedial rostral (RVM). 

Espero que todos tenham entendido estas informações. 

Então, a enxaqueca nada mais é do que uma inflamação auto-perpetuada de estruturas cerebrais, que por sua vez, mantêm conexões com os vasos da cabeça. 

É, em termos leigos podemos dizer isso aí em cima. Mas há também a participação de outras substâncias, como o óxido nítrico, um famoso dilatador dos vasos, e de outras substâncias na jogada, algo que não merece ser discutido ainda aqui, por ser de alta complexidade.

Por último, aqui vai uma figura a mais (figuras a mais não fazem mal):

http://www.headache-treatment-options.com/images/mechnismmigraine.jpg

E há um site interssante que eu sugiro que leiam, no qual há algumas informações a mais a respeito da enxaqueca e de outras dores de cabeça. Não conheço o autor, mas o blog parece ser interessante. 

quinta-feira, fevereiro 07, 2013

Sintomas da enxaqueca

Enxaqueca, ou mais apropriadamente migrânea, é um tipo de cefaleia (dor de cabeça) primária, sem causa definida. Cefaleia é o nome que se dá a qualquer dor de cabeça, de qualquer causa. E enxaqueca é um tipo específico de cefaleia, de causa genética em sua maior parte, e com sintomas específicos. 

A enxaqueca costuma iniciar-se na adolescência, mas casos de início na infância e mesmo na vida adulta não são raros. Há casos, inclusive, de pacientes sem história de cefaleia que, após um traumatismo craniano, iniciaram o desenvolvimento de enxaqueca.

A enxaqueca é mais comum em mulheres, e não se sabe exatamente a que isso se deve. Estudos comentam a importância dos hormônios femininos, importantes fatores de piora da cefaleia em mulheres (há casos gritantes de piora da dor durante o período menstrual), mas estudos também sugerem que as mulheres procuram mais o médico por conta de sua dor de cabeça do que os homens. Isso poderia, em parte, responsabilizar-se pelo maior número de casos de enxaqueca em mulheres - Os casos delas são mais vistos em consultórios, e portanto mais bem documentados, do que os casos em homens.

A enxaqueca é uma dor considerada moderada a intensa, e que atrapalha as atividades de quem sofre com ela, diferente da chamada cefaleia tensional, que incomoda mas não atrapalha as atividades. 

A dor costuma ser pulsátil, latejante, "como se o coração estivesse batendo na cabeça". Em geral é de um lado só, e a dor muda de lado com as crises, mas há casos que acometem ambos os lados (bilaterais). Horas ou dias antes da dor, alguns pacientes referem o que chamamos de pródromos, ou seja, sintomas como boca seca, fadiga, bocejos frequentes, sono em excesso, cansaço e sede excessiva. Alguns minutos antes da dor, até 60 minutos antes, ou juntamente com a dor, alguns pacientes podem ter o que chamamos de aura migranosa,  sintomas como turvação visual, bolinhas brilhante ou escuras na vista, dormência nas mãos e pés, e outras alterações visuais.

A dor é moderada a intensa, e vem acompanhada de dificuldade de tolerar a luz (fotofobia), barulho de qualquer tipo (fonofobia) e odores (osmofobia). Náuseas e vômitos dominam o quadro. Fadiga, mal-estar, cansaço, e uma vontade de se deitar em um quarto escuro acabam por ocorrer. Irritabilidade é comum. A dor vai e volta durante cerca de 1 a 3 dias, em geral. A dor vem em surtos de 1 vez a cada 2 ou 3 meses a dores semanais ou quase diárias. A piora antes ou durante, e raramente após o ciclo menstrual, ocorre em uma boa porcentagem dos pacientes.