sábado, fevereiro 09, 2013

Qual a causa da enxaqueca?

A enxaqueca (ou migrânea) é uma dor de cabeça específica, de sintomas e evolução já bem conhecidos. É uma doença diferente das outras que cursam com dor de cabeça. Na verdade, há a possibilidade de a enxaqueca ser uma doença que vá além da dor de cabeça, ou seja, ela não causa somente dor de cabeça, já que alguns pacientes, especialmente aqueles com enxaqueca sem tratamento, apresentam derrames por conta da enxaqueca.

Antigamente chamava-se a enxaqueca de cefaleia vascular, ou seja, causada por problemas vasculares (constricção ou fechamento dos vasos acompanhada de dilatação dos vasos). Mas os estudos mudaram esta visão, e hoje entende-se a enxaqueca como uma dor neuropática, ou seja, uma dor de origem no sistema nervoso (entenda o que é dor neuropática neste post). 

Sabe-se que no cérebro há núcleos que geram estímulos dolorosos, e núcleos que modulam estes estímulos. E há também substâncias que aumentam ou diminuem o limiar de dor (ao aumentar o limiar de dor, a pessoa sentirá dor somente com estímulos muito intensos; e o contrário também é verdadeiro). Um exemplo das substâncias que aumentam o limiar de dor são as endorfinas endógenas, substâncias que modulam para baixo a sensação de dor. E um exemplo de uma substância já bastante estudada, e que poderia levar à dor é o (guarde esse nome) Peptídeo Relacionado ao Gene da Calcitonina, ou CGRP. Sugere-se que um aumento em suas concentrações levariam a um aumento na sensibilidade cerebral a estímulos dolorosos. Um estudo da famosa revista médica Nature Neurology sugere que estados como estresse, menstruação ou fome poderiam levar a aumento nas concentrações desta substância (veja abaixo).

http://cienciasecognicao.org/neuroemdebate/wp-content/uploads/2012/10/nrneurol_2010_127-f1.jpg

Pain significa dor. Phonophobia (fonofobia) e Photophobia (fotofobia), o mal-estar que o barulho e a luz (respectivamente) fazem em pacientes com enxaqueca seriam também resultado das alterações dos níveis de CGRP (nos tubos no meio da imagem) no sangue e no cérebro.

Toda esta cascata de eventos levaria a inflamação das terminações do nervo trigêmeo, o nervo que entra no cérebro pela ponte, e que é responsável pela sensação da cabeça, fossas cranianas e face com olhos, seios paranasais e boca. 

Abaixo, uma figura também tirada da revista Nature Neurology demonstrando o que possivelmente acontece no cérebro para que a dor seja gerada. Não se deixe levar pela complexidade da figura. Não tente, tampouco, decorá-la. É meramente ilustrativa. A explicação vai abaixo da figura.

http://www.nature.com/nrn/journal/v12/n10/images/nrn3057-f1.jpg
Os nervos sensitivos que saem da cabeça e do pescoço em direção ao cérebro viajam através do nervo trigêmeo e de seus ramos, que são muitos e espalhados pelo couro cabeludo e face, e atravessam o gânglio trigeminal (na figura TG). Ou os nervos atravessam ramos dos nervos que entram pela medula cervical, em geral os nervos que inervam a parte de trás da cabeça e pescoço, e entram no sistema nervoso através do nervo occipital maior e gânglio cervical (na figura CG), fazendo sinapse já dentro do cérebro com  neurônios do complexo trigeminocervical (TCC) (o que explica por que a enxaqueca dá dor na nuca!). Os nerônios no TCC atravessam o trato trigêmino-talâmico (que liga os neurônios trigeminais ao núcleo mais importante do cérebro, o tálamo) e entram no tálamo do lado oposto (Thalamus).  Há uma conexão entre os neurônios do TCC com neurônios localizados em um núcleo chamado de núcleo salivatório superior (SuS) localizado na ponte, e que através do gânglio esfenopalatino (SPG) inerva os vasos cranianos (o que pode explicar, em parte, as alterações vasculares da enxaqueca). A ativação do reflexo dito trigêmino-autonômico (através destas conexões citadas acima) contribui para os sintomas autonômicos vistos na enxaqueca, e não somente nela (lacrimejamento, olho vermelho ou quemose, saída de secreção nasal ou rinorreia, alterações de sudorese facial e dor da face). Outros neurônios do TCC mandam axônios para núcleos outros no tronco cerebral, como o Locus Coeruleus (LC) e a substância cinzenta periaquedutal (PAG) e também para outras estruturas no tálamo e no hipotálamo (hypothalamus), e que mandam estas informações para o córtex cerebral. Já o córtex, por sua vez, acaba mandando informações de volta para o tálamo e hipotálamo e para o LC. A modulação dos neurônios do TCC (modulação das vias de dor) ocorre via núcleos hipotalâmicos, incluindo o núcleo dopaminérgico A11, e projeções vindas da PAG passando através de uma área chamada de bulbo ventromedial rostral (RVM). 

Espero que todos tenham entendido estas informações. 

Então, a enxaqueca nada mais é do que uma inflamação auto-perpetuada de estruturas cerebrais, que por sua vez, mantêm conexões com os vasos da cabeça. 

É, em termos leigos podemos dizer isso aí em cima. Mas há também a participação de outras substâncias, como o óxido nítrico, um famoso dilatador dos vasos, e de outras substâncias na jogada, algo que não merece ser discutido ainda aqui, por ser de alta complexidade.

Por último, aqui vai uma figura a mais (figuras a mais não fazem mal):

http://www.headache-treatment-options.com/images/mechnismmigraine.jpg

E há um site interssante que eu sugiro que leiam, no qual há algumas informações a mais a respeito da enxaqueca e de outras dores de cabeça. Não conheço o autor, mas o blog parece ser interessante. 

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Comente na minha página do Facebook - Dr Flávio Sekeff Sallem,
Médico Neurologista