domingo, março 31, 2013

O que é uma neuropatia periférica?

Neuropatia é o nome que se dá às doenças dos nervos periféricos.

Há os nervos sensitivos, os nervos motores, e os mistos, que combinam fibras sensitivas e motoras, podendo haver fibras autonômicas, ou seja, que transmitem sensações e motricidade dos órgãos internos (leia mais sobre o sistema nervoso autônomo aqui). Vamos falar primeiro dos nervos sensitivos.

Como já falado muito neste blog, o cérebro comunica-se com o meio externo através de ramificações que entram e saem da medula espinhal, canal de comunicação do cérebro com o resto do corpo. Estas ramificações são justamente os nervos periféricos. Há vários tipos de nervos pois há várias espécies de sensações. Há sensações de dor, calor, frio, tato leve, tato profundo, pressão, vibração, sensação de posição do corpo no espaço. 

Estas sensações são sentidas na periferia do corpo ou nos tendões/músculos (no caso da vibração e da posição do corpo no espaço), e são transmitidas, mais rapidamente ou mais lentamente (dependendo do tipo de nervo que a transmite) ao cérebro.

Cada sensação tem suas variações. Por exemplo, vamos levar em conta a dor. Imagine uma cólica, dor mal localizada, que você demonstra passando a mão em todo o abdome. Essa dor é sentida nos órgãos internos, e trafega em nervos com pouca camada de mielina (leia mais aqui para entender isso melhor). Daí a dor ser mal localizada, difusa. Já a dor de um corte com uma agulha é fina, e bem localizada. Você sabe exatamente onde foi a lesão. Essa dor trafega em fibras mais mielinizadas, e portanto trafega com velocidade maior em direção ao cérebro. 

Da mesma maneira, o calor e o frio têm suas variações, e dependendo da intensidade de ambos, podem ser sentidos como calor ou frio, ou como dor se forem sentidas temperaturas extremas. No entanto, tanto as sensações de temperatura como dor trafegam em fibras mal mielinizadas, e portanto não são tão bem localizadas.

Já as sensações de tato fino, como o reconhecer algo na mão com o tato, vibração e posição no espaço trafegam a velocidades enormes de cerca de 400 Km/h (isso mesmo). São sensações finas, rápidas e precisas. 

Fora isso, os nervos motores saem do cérebro, e inervando os músculos permitem a movimentação do corpo. São nervos grossos e densamente mielinizados.

Os nervos autonômicos são finos, pobremente mielinizados. Suas sensações provêm dos órgãos internos, como coração pulmões, intestinos e bexiga, e servem para controlar a função destes órgãos. Já a motricidade dos órgãos, como dos intestinos, ureteres, estômago e esôfago, que não estão sob nosso comando, está também a cargo de fibras autonômicas.

Mas voltando ao assunto inicial, o que é a neuropatia periférica?

É a doença destes nervos que transmitem sensações de dor, calor, tato, vibração e posição, fornecem inervação autonômica e motora. E a doença destes nervos leva a vários sintomas, dependendo do tipo de nervo lesado, se é sensitivo puro (neuropatia sensorial), motor puro (neuropatia motora) ou misto (neuropatia sensitivo-motora), dependendo da distribuição dos nervos lesados, se são lesados todos os nervos de uma extremidade, geralmente começando pelas pernas (polineuropatia), se são lesados nervos diferentes em várias partes do corpo (mononeuropatia múltipla) ou se é lesado um único nervo (mononeuropatia). Depende ainda do tipo de sensação afetada (neuropatia de pequenas fibras, quando há prejuízo da dor e temperatura somente ou principalmente; neuropatia de grandes fibras, quando há prejuízo mais do tato fino, posição, vibração e motricidade; e neuropatia mista, quando há acometimento de ambos os tipos de fibras). 

O interessante é que estes sintomas são o principal aliado do médico na pesquisa das causas de neuropatias.

Há neuropatias somente de pequenas fibras, somente de grandes fibras, somente sensitiva, ou motoras. Há neuropatias que começam pelas pernas (as mais frequentes) e as que começam pelos braços. E há neuropatias que acometem somente um nervo em uma localização específica, ou acometem mais de um nervo em várias distribuições. Há ainda neuropatias que afetam somente a bainha de mielina e não afetam o nervo em si (desmielinizantes), afetam mais o nervo que a bainha de mielina (axonais) e as neuropatias que afetam ambos mielina e nervo (axonais e desmielinizantes). E aqui também, podemos provar que há doenças que levam mais a neuropatias desmielinizantes, mais neuropatias axonais, e mais neuropatias mistas.

O médico, ao tirar a história completa da doença do paciente, e ao fazer o exame com o martelinho, o diapasão para testar a vibração, e o uso de algodão ou gazes para testar a sensibilidade de cada parte do corpo, tenta descobrir a causa mais provável da neuropatia para chegar ao melhor tratamento. 

E a eletromiografia ou EMG (leia mais sobre ela aqui)? Serve justamente para auxiliar o médico na pesquisa destas causas de neuropatia. A EMG, através do uso de eletrodos que dão choquinhos leves, e o uso de agulhas que penetram nos músculos, auxilia a determinar:

1. Se  neuropatia é sensitiva, motora ou mista
2. Se a neuropatia é de grandes ou de pequenas fibras
3. Se a neuropatia é mais evidente nas pernas ou braços
4. Se a neuropatia é axonal, desmielinizante ou mista
5. A localização dos nervos afetados

Ou seja, a EMG auxilia o médico no seu tratamento, funcionando como um exame clínico melhorado. 

Nos próximos posts, falaremos mais das neuropatias periféricas, suas causas e seus tratamentos. 


segunda-feira, março 25, 2013

Quais os tratamentos aprovados para os surtos de esclerose múltipla?

A esclerose múltipla (EM) pode se apresentar de várias formas clínicas, sendo a mais comum a remitente-recorrente, onde há um surto com melhora parcial ou total. Este surto pode se apresentar de várias formas, podendo haver acometimento do nervo óptico (neurite óptica), lesão medular (mielite transversa), formas de fraqueza de um lado do corpo (hemiparesia), alterações de fala (disartria), incoordenação (ataxia), alterações urinárias, com dificuldade de segurar a urina (incontinência urinária) e formas de sensibilidade alterada, com perda da sensibilidade em um lado do corpo ou de uma parte do corpo para baixo.

Sabe-se que um surto é toda manifestação clínica da EM que dura mais que 24 horas. Isso por que quem é portador da EM pode apresentar piora transitória de déficits anteriores, e que dura menos de 24 horas (na verdade algumas horas somente) quando expostos a calor intenso, atividade física extenuante, estresse ou outros fatores semelhantes. A essa piora, chamamos de fenômeno de Uhtoff, e não há lesão ou surto verdadeiro, apenas piora de déficits que logo melhoram novamente.

Sabe-se também que, na existência de um surto comprovado de EM, quanto mais rápido iniciarmos o tratamento para o surto, menos risco de sequelas o paciente terá - ou seja, em EM, tempo é cérebro. 

Por isso, na vigência de sintomas novos em um paciente com EM, o neurologista tem de ser contactado imediatamente. Esperar passar pode não ser a melhor conduta, como não é, por exemplo, no caso de um derrame, quando também tempo é cérebro. 

Mas o surto tem tratamento? Quem tem EM sabe que sim. Podemos reverter os sintomas ou minimizar as possíveis sequelas com uma medicação chamada de metilprednisolona, que é um esteroide (corticoide) que é dado pela veia. A este tratamento, chamamos de pulsoterapia com corticoide. 

A metilprednisolona (MP) deve ser administrada logo que possível na vigência de um surto. Mas cuidados devem ser tomados. Usualmente, antes da pulsoterapia com MP, damos ao paciente um anti-helmíntico, um remédio para tratar vermes intestinais. Isso por que a MP pode levar a diminuição transitória da imunidade do paciente, e se ele apresentar em seu intestino alguns tipo de vermes, o mais perigoso deles sendo o Strongyloides stercoralis (veja figura abaixo), o uso da MP pode levar a piora do quadro de verminose. Fora isso, aguardar um parasitológico de fezes, que não é 100% correto, pode atrasar o tratamento dos déficits. Logo, geralmente damos um antiparasitário ao paciente antes da pulsoterapia com MP.

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Acima vemos uma visão aumentada de um Strongyloides stercoralis com seus ovos. 

Corticoides podem aumentar a pressão arterial e a glicemia de forma transitória, logo os níveis voltando ao normal com a parada do tratamento, ou seja, algo que não é de preocupar. Mas para evitar problemas, em geral os pacientes em tratamento com MP devem fazer dieta pobre em sal (para evitar os famosos inchaços pelo corticoide; fora que diminuir o sal da dieta é bom para várias outras coisas), pobre em açúcar (para diminuir as subidas de glicemia), e rica em potássio (por que a MP diminui o potássio no sangue). Isso tudo será prescrito pelo seu médico antes da pulsoterapia.

Usa-se também um protetor do estômago, como o omeprazol ou outro parecido, por que o corticoide pode levar a sintomas de gastrite. 

Em geral usamos o corticoide por 3 a 5 dias em doses altas. E a chance de melhora é muito alta. Mas há casos onde a pulsoterapia não resolve tudo. Nestes casos, temos de pensar em outros tratamento. 

Um tratamento alternativo para os pacientes que permanecem com sequelas após a pulsoterapia, mas que tem de ter pesados seus riscos versus benefícios é o uso da imunoglobulina humana IV (leia mais sobre ela aqui), que pode melhorar mais ainda os pacientes, devendo ser também usada precocemente nos surtos, mas que não é usada como medicação de primeira linha por conta de seu preço muito alto e às vezes ser difícil de achar. Fora que a MP, apesar de seus efeitos colaterais, consegue controlar e diminuir o tempo dos surtos, auxiliando na diminuição das sequelas. 

domingo, março 24, 2013

Novidades sobre a cefaleia em salvas

Apesar deste mês ser dedicado à esclerose múltipla, um pedido em especial suscitou-me a escrever sobre a cefaleia em salvas (há um tópico, escrito bem no início do blog, bem simples, sobre este tipo de cefaleia primária - leia aqui.

Vamos falar mais um pouco sobre esta que é considerada a mais forte das cefaleias primárias, ou seja, sem causa evidente.

A cefaleia em salvas, também chamada de cluster headache na literatura inglesa e americana, é uma cefaleia pertencente ao grupo das cefaleias trigêmino-autonômicas, onde há dor acompanhada de sintomas e sinais de disfunção do sistema autônomo (leia mais sobre ele aqui), com vermelhidão ocular (quemose), queda da pálpebra do mesmo lado da dor (ptose palpebral), inchaço peri-ocular (edema), saída de secreção nasal do mesmo lado (rinorreia) e diminuição da pupila do mesmo lado (miose). Há outras cefaleias trigêmino-autonômicas, das quais poderemos falar em posts posteriores.

A dor relaciona-se aos mecanismos cerebrais e hormonais que controlam o corpo durante o dia e a noite (ou mecanismos circadianos), o que explica em parte por que a dor é mais frequente de madrugada, e em muitos pacientes, sempre em um mesmo horário. 

A cefaleia em salvas foi descrita pela primeira vez há cerca de 350 anos, e durante estes anos, ganhou vários nomes diferentes, como cefaleia esfenopalatina, eritroprosopalgia de Bing, cefaleia de Horton, eritromelalgia, etc (nota somente por curiosidade).

A causa, ou etiologia, da cefaleia em salvas não é ainda conhecida. Parece existir alguma predisposição genética, mas há relatos de uma possível relação com o gene que codifica uma proteína chamada de orexina, ou hipocretina, que se relaciona ao ciclo sono/vigília, estando diminuída em uma doença relacionada a sono exagerado, a narcolepsia. 

A dor é mais comum em homens (4 vezes mais que em mulheres), e em uma população que frequenta clínicas somente para tratamento de dor de cabeça, representa cerca de 10% das dores (a maior parte compõe-se de enxaqueca e cefaleia tensional). Em relação à idade, é mais comum entre os 30 e 40 anos de idade.

Os estudos demonstram que na cefaleia em salvas, não há sinais claros de inflamação do nervo trigêmeo ou suas terminações. Na verdade, a dor parece ter relação com os neurônios de uma região do cérebro chamada de hipotálamo (leia mais sobre isso aqui), que controlam os ritmos corporais, como sono, temperatura, fome, saciedade e sede.

A dor na cefaleia em salvas é localizada na primeira divisão do nervo trigêmeo, a oftálmica (leia mais sobre isso aqui). Já os sintomas autonômicos são principalmente devidos à ativação do nervo facial, que inerva a face, mas também à perda de estimulação de uma parte do sistema autonômico chamado de sistema simpático, afetado durante as crises de salvas. Observa-se durante as crises alterações e certos hormônios, como testosterona, hormônio liberador do hormônio tireoidiano, cuja produção depende de um hipotálamo funcionante, além de outros hormônios relacionados ao bom funcionamento do hipotálamo, como o ACTH, hormônio de crescimento ou GH, e hormônios sexuais, além da prolactina. O hipotálamo é a próxima fronteira na investigação das causas de cefaleias em salvas.

É interessante observar que, em muitos pacientes, a dor tem época e hora para ocorrer, o que também tem a ver com a hipótese hipotalâmica de origem da dor, já que o hipotálamo e seus hormônios controlam o ritmo circadiano, ou seja, as alterações neuro-endócrinas cíclicas que ocorrem no dia e na noite em nosso corpo.

A cefaleia em salvas é uma dor primária, mas muitas doenças podem simular esta dor, ou seja, podem produzir dor que se parece com a salvas. Daí que a investigação inicial de um paciente com suspeita de salvas deve ser completa. O diagnóstico de cefaleia em salvas exige que o paciente tenha tido pelo menos 5 ataques iguais com exames de imagem normais e outros diagnósticos afastados.

Entre as possíveis causas de "cluster-like", quando a dor parece mas não é salvas, temos:

1. Tumores da hipófise (ou pituitária), uma glândula que fica na base do cérebro e produz vários hormônios. O tumor mais comum é o prolactinoma, que produz o hormônio prolactina.

2. Sinusite maxilar e esfenoidal - Sim, por vezes sinusites agudas (leia-se agudas) podem causar dor igual, mas que melhora com o tratamento da sinusite.

3. Lesões das artérias carótida e vertebral.

4. Outros tumores da base do crânio, como meningeomas.

5. Infecções outras dos ossos do crânio, como formas raras de sinusite (a fúngica, produzida por fungos).

6. Malformação de Chiari.

E outras doenças mais raras.

Há outras síndromes primárias de dor de cabeça que se parecem com a salvas mas não são, e com tratamento diferente, como a hemicrania paroxística e uma síndrome chamada de SUNCT, sobre as quais falaremos depois.

Os exames que podem ser considerados na investigação de uma primeira crise de salvas são a ressonância magnética de crânio e da hipófise, avaliação dos vasos do pescoço com imagens de ressonância, e dosagem de hormônios, mas outros exames podem ser úteis. Na falta de ressonância, uma tomografia pode ser feita.

Para quem tem cefaleia em salvas, prevenir é a melhor opção. Nem sempre é possível evitar-se uma crise de vir, mas pode-se tentar através do afastamento de fatores de risco, como uso de álcool e parada do fumo.

Falaremos posteriormente sobre o tratamento da cefaleia em salvas. Aguardem.









sábado, março 23, 2013

Pequeno dicionário de termos médicos - Sinais meníngeos

Meningite é a inflamação das membranas que cobrem o cérebro, as meninges. Como já falado neste blog, temos três meninges - a mais externa e espessa, a dura-máter, a membrana intermediária, a aracnóide, e a mais interna e mais delgada, e que cobre toda a superfície cerebral desenhando seus sulcos e giros, a pia-máter. Os sintomas de uma meningite são:

1. Dor de cabeça
2. Dificuldade de olhar para a luz (fotofobia)
3. Febre, em casos de meningites bacterianas e algumas virais
4. Náuseas e vômitos
5. Dor na coluna cervical (pescoço) e lombar
6. Nuca rígida, dura, presente quando o paciente está deitado com as pernas estendidas, e que significa dificuldade de estender os nervos e membranas que cobrem o cérebro por inflamação destas estruturas.

Nas meningites temos ainda a presença de sinais meníngeos, sinais que observamos quando tentamos esticar os nervos da perna ou do braço de pacientes com meningite. Os mais usados são:

1. Sinal de Brudzinski - Ao tentar-se dobrar com cuidado o pescoço do paciente para cima, um ou ambos os joelhos acabam dobrando para evitar o estiramentos dos nervos e dor.

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2. Sinal de Lasègue - Com o paciente deitado e pernas estendidas, tenta-se levantar uma das pernas do paciente, que responde com dor, flexão do pescoço ou dobrando o outro joelho.

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3. Sinal de Kernig - Com o paciente deitado com a barriga para cima, o médico dobra a coxa do paciente por sobre seu abdome e tenta estender a perna. O paciente com meningite responde com dor, dobrando o outro joelho ou fletindo o pescoço.

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Há outros sinais meníngeos, mas estes são os mais comumente usados no consultório e hospitais.

É sempre bom lembrar que a presença de um sinal destes não necessariamente indica meningite. Pessoas idosas podem ter pescoço rígido por artrose cervical. Pessoas obesas, mal condicionadas ou que não praticam atividades físicas podem ter dificuldades de estender a perna quando deitadas. Deve-se, logo, avaliar a presença de sinais meníngeos no contexto de um quadro clínico sugestivo de meningite. 

sábado, março 16, 2013

A esclerose múltipla é uma doença auto-imune?

Antes de ler o esto da postagem, temos que saber o que é uma doença anto-imune. E este post ajuda a esclarecer melhor esta pergunta.

Muito bem, para esclarecer a pergunta inicial, temos que entender como a esclerose múltipla (EM) funciona, ou seja, sua fisiopatologia. Estas informações foram adaptadas do site Medlink.

A EM é uma doença desmielinizante, ou seja, uma doença onde há destruição da bainha de mielina que cobre os neurônios do sistema nervoso central. Mas não é somente a desmielinização que conta na doença, mas a inflamação e a exposição crônica a substância inflamatórias (as citoquinas) desempenham grande papel na disfunção, e por último, morte neuronais. 

A EM, como já falado nos posts anteriores, provavelmente possui um fator ambiental (qual ainda não se sabe) que desencadeia os eventos inflamatórios em um paciente com predisposição genética provável. A EM, patologicamente (ou seja, nos estudos de cérebros de pacientes com a doença), apresenta-se na forma de placas na substância branca, formadas por invasão de células de defesa, os leucócitos (especialmente os linfócitos T e os monócitos), o que caracteriza uma ativação da imunidade do hospedeiro da doença.

Estes linfócitos são "chamados" ao sistema nervoso central (SNC), provavelmente pelo fator desencadeante da doença. A doença se desenvolve a partir das pequenas veias centrais do cérebro, as vênulas (daí por que há maior concentração de placas perto das cavidades de líquor, os ventrículos cerebrais, por que estão na profundidade do cérebro), pois é por aí que os linfócitos começam a entrar no SNC. Outras células de defesa imune acabam por entrar no cérebro também.

Este infiltrado celular associa-se a destruição das bainhas de mielina e disfunção das células que produzem esta mielina, os oligodendrócitos (ufa!). Apesar de a inflamação mais aguda dos surtos acabar por sumir em semanas, algumas células acabam por permanecer no local, promovendo inflamação leve crônica, com mais desmielinização e destruição axonal.

Esta ativação imune aparece antes de qualquer sintoma ou de lesões na ressonância magnética, provavelmente semanas antes. Várias substâncias inflamatórias, as citoquinas, são produzidas antes de qualquer sintoma começar. Mas nos surtos, nos ataques agudos, a presença inflamatória aumenta muito. 

O controle da inflamação auto-imune, algo que o próprio sistema imune consegue fazer (é o que ocorre em infecções virais, como a gripe por exemplo, onde os sintomas de febre, calafrios, nariz escorrendo e dor de garganta não são produzidos propriamente pelo vírus, mas pela reação do próprio corpo à presença do vírus, e após alguns dias, o próprio corpo se encarrega de debelar a reação desencadeada por ele mesmo), acaba por se perder nos surtos de EM por conta de queda dos níveis de substâncias que seriam necessárias para debelar esta resposta. 

E esta resposta imune da EM pode ser aumentada pelo hábito de fumar, pelo aumento nos níveis de algumas substâncias inflamatórias. 

Além dos linfócitos T, que realizam a resposta imune dita celular (apresentação de substâncias estranhas a células destruidoras de invasores, como os macrófagos, os antígenos, e ataque a invasores), a EM também leva a ativação de linfócitos B, que secretam várias citoquinas, também servem para apresentar antígenos e secretam anticorpos. 

A presença de bandas oligoclonais (leia mais sobre isso aqui) no líquido cerebral (líquor), presente em mais de 95% dos pacientes com EM e com outras doenças auto-imunes, relacionam-se à produção de anticorpos (IgG ou imunoglobulina G) contra substâncias estranhas no SNC. 

Outras substâncias, como as quimiocinas que atraem as células da defesa, e outras células como os monócitos e as células de defesa do próprio cérebro, a micróglia, participam do ataque imune na EM. Os monócitos levam a mais inflamação com a produção de óxido nítrico, uma substância nociva às células cerebrais, além de radicais livres (você se lembra deles?) que destroem as células, e outras substâncias nocivas. 

Haveria mais para se falar aqui, mas muitos destes assuntos são complexos demais para se colocar em um texto voltado para pacientes e familiares. Por ora, basta sabermos que, sim, a EM é uma doença auto-imune, definição que, pelas informações postas acima, refere-se a condições relacionadas a ataques direcionados a moléculas do corpo realizados pelo próprio sistema imunológico do paciente.   

quinta-feira, março 14, 2013

Malformações cerebrais - Microcefalia


Microcefalia é o termo dado aos casos de circunferência da cabeça significativamente menor em relação a pessoas da mesma idade e sexo, ou seja, ao conjunto ossos cranianos + cérebro. Deve-se distinguir de microencefalia, quando há diminuição do crescimento do cérebro, mesmo com o crânio de tamanho normal, não sendo um diagnóstico tão direto como o é o da microcefalia. A microcefalia não é uma doença, mas uma síndrome, e pode ser encontrada em várias doenças neurológicas, várias síndromes genéticas, e várias outras condições clínicas.

Há causas genéticas e não genéticas, sendo que a microcefalia primária ou congênita é a que está presenta logo ao nascimento. A microcefalia secundária ou adquirida ocorre quando a circunferência craniana é normal ao nascimento, mas à medida que a criança cresce, o tamanho da cabeça não acompanha este crescimento.

A síndrome pode ser acompanhada, dependendo da causa, de paralisia cerebral com alterações motoras, crises epilépticas, retardo do desenvolvimento motor e/ou retardo mental. A presença pura e simples de microcefalia não garante alterações motoras ou mentais, e crianças com crânio abaixo da média podem ser cognitivamente normais. 

Outras situações, especialmente as síndromes cromossômicas ou outras doenças genéticas, podem apresentar microcefalia acompanhada de alterações em outros órgãos, alterações da face (dismorfismo facial), e outras alterações físicas. 

Os fatores de risco para microcefalia são vários, mas pode-se enumerar infecções do período neonatal, AIDS materna, desnutrição materna, exposição a substâncias causadoras de malformações (teratogênicas), uso de álcool pela mãe no período neonatal, uso de drogas como cocaína. Crianças que apresentaram no período durante o nascimento asfixia (queda de oxigenação) ou infecções cerebrais, como meningoencefalites (inflamações/infecções das membranas que recobrem o cérebro - as meninges - e o próprio cérebro) podem apresentar microcefalia adquirida. Fora isso, história familiar de microcefalia pode sugerir distúrbios genéticos relacionados a essa alteração física.

Nos EUA, 0.56% da população apresenta microcefalia. 

A prevenção da síndrome requer:

1. Evitar substâncias que causem danos à criança ainda no útero - Qualquer medicação que a gestante venha a usar deve ser discutida com o médico que prescreve ou com o obstetra antes do uso - evitar usar medicações sem prescrição médica.
2. Evitar na gestação o uso de álcool e drogas.
3. Evitar o contato com radiação ionizante, como no caso de radiografias e tomografias, ao menos que sejam estritamente necessárias e após avaliação do obstetra.
4. Tratamento de doenças maternas, como a fenilcetonúria, distúrbio de metabolismo de aminoácidos que é muito comum e de fácil diagnóstico.
5. Evitar infecções no período pré-natal - ou seja, fazer um bom exame e acompanhamento pré-natal, e uso de vacinar propostas pelo obstetra. 

Mais informações sobre acompanhamento e tratamento devem ser obtidas com o pediatra que acompanha a criança ou o obstetra que acompanha a gestante. 

Pequeno dicionário de termos médicos - Síndrome clinicamente isolada

Síndrome é todo o conjunto de sinais e sintomas relacionado a uma ou mais afecções, não determinando exatamente uma doença, mas podendo ser comum a um grupo de doenças. Assim, uma síndrome neurológica pode apresentar vários sintomas, mas que são causados por doenças semelhantes ou diferentes. Como exemplo de síndrome, temos a própria dor de cabeça, que possui inúmeras causas.

A síndrome clinicamente isolada (aqui denominada, a partir de agora, CIS - Clinically Isolated Syndrome) é o nome dado ao conjunto de sinais e sintomas que sugerem um surto de esclerose múltipla (EM), mas que ocorre em pacientes sem história prévia de EM ou de qualquer quadro sugestivo de surto de EM (um surto é um quadro de déficits neurológicos que dura mais de 24 horas). Ou seja, pode ser o primeiro surto de EM (quando falo "pode ser", indico que há várias causas para os sintomas apresentados pelo paciente, e uma delas é EM).

A CIS foi descrita pela primeira vez em 1993, sendo que seu diagnóstico melhorou com a evolução dos critérios de diagnóstico e dos exames de imagem, como a ressonância magnética (MRI). Fora isso, o avanço nas medicações para tratamento da EM exigiu um diagnóstico mais precoce e mais correto da  doença. 

O diagnóstico de EM a partir de uma CIS depende de vários critérios, como tipo de surto (neurite óptica, mielite transversa - inflamação da medula), evolução do surto, e presença ou não de lesões na MRI. Mas a avaliação inicial exige que afastemos outras doenças que possam causar os mesmos sintomas. 

As CIS mais comuns são neurite óptica (leia mais sobre isso aqui), mielite transversa (leia mais sobre isso aqui), síndromes de tronco cerebral (síndromes que afetam as partes do tronco - mesencéfalo, ponte e bulbo - e não são devidas a tumores, infecções ou derrames), e síndromes motoras e sensitivas sem causa infecciosa, vascular ou tumoral. Os sintomas usualmente se desenvolvem como os surtos, ao longo de horas ou dias, e persistem por dias a semanas, sendo iguais aos surtos de pacientes com EM (a diferença, como apontado acima, é que a CIS é em geral o primeiro surto de EM). A recuperação pode ser completa ou com sequelas, ao longo de dias a semanas.

O diagnóstico deve ser o mesmo de um surto de EM. Inicia-se com a história clínica completa (anamnese) e um exame neurológico completo. Uma MRI do crânio e coluna cervical são usualmente solicitados, não somente para diagnóstico de outras doenças que dão sintomas semelhantes, mas também para avaliação da progressão da CID para EM (a presença de lesões em mais de um local (disseminação do espaço) e com várias idades (disseminação no tempo) sugere progressão para EM). A MRI é mais sensível que a tomografia na detecção de lesões de EM. 

Na presença de dúvida diagnóstica, pode-se solicitar o líquor lombar com pesquisa de bandas oligoclonais (leia mais sobre isso aqui), que tem sensibilidade de 88% (ou seja, 88% dos casos de CIS evoluindo para EM terão bandas positivas) e 43% de especificidade (ou seja, 43% dos casos negativos para EM terão ausência de bandas oligoclonais). Há várias outras doenças que produzem bandas oligoclonais no líquor, como algumas inflamações reumáticas, sarcoidose, algumas doenças causadas por câncer (síndrome paraneoplásicas - leia mais sobre elas aqui), e outras. 

Outros exames devem ser solicitados na dependência da avaliação do médico que assiste o paciente. 

O diagnóstico e o tratamento rápidos de uma CIS são importantes pois, apesar de não impedirem o desenvolvimento de EM, podem retardar a evolução da doença, e melhorando a qualidade de vida do paciente. 

Sobre o tratamento, falaremos mais dele na seção de tratamento da EM. 

domingo, março 10, 2013

Mais informações sobre o tratamento cirúrgico da distonia primária


sábado, março 09, 2013

A relação da Esclerose Múltipla com o sal


Genética da esclerose múltipla


Informações tiradas do site Medlink.

Muitos genes influenciam o desenvolvimento da esclerose múltipla (EM). Ou seja, a doença não é de um gene único, mas múltiplos genes estão envolvidos. A concordância da doença em gêmeos univitelínicos (gêmeos iguais ou monozigóticos) é de 31%, enquanto que a taxa de concordância de gêmeos dizigóticos (gêmeos diferentes) é de 5% após 7.5 anos de observação. O risco de irmãos de pessoas com EM terem a doença é de 3.5%. Além disso, parentes de primeiro grau (filhos e filhas) de pessoas com EM têm 25 vezes mais chances de terem EM que a população em geral. 

Alguns estudos sugerem que a doença é semelhante em termos de idade de instalação, curso e severidade entre pessoas afetadas da mesma família, uma visão que não é consenso entre os pesquisadores. No entanto, fatores ambientais também desempenham forte impacto na doença, como demonstrado em posts anteriores, pelo simples fato de haver cerca de 70% de gêmeos monozigóticos sem a doença (se a doença fosse puramente genética, a concordância entre gêmeos seria muito, mas muito mais alta do que somente 31%).

Como falado antes, não há um único gene envolvido na determinação da doença, mas há um grupo, talvez pequeno, de genes envolvidos na suscetibilidade à doença (ou seja, a presença do gene não significa que o paciente terá EM, mas significa que, na presença de fatores ambientais adequados, a doença poderá surgir). Muitos genes são mais fortes em Europeus do Norte (fatores de ancestralidade, ou seja, genes transmitidos de geração para geração em populações distintas do globo), enquanto outros têm mais expressividade no Oriente Médio, Japão e Turquia. 

A própria diferenciação genética confere diferenças na apresentação clínica de cada população, com pacientes japoneses por vezes demonstrando doença restrita ao nervo óptico e medula espinhal, e falta de marcadores no líquor (bandas oligoclonais) (leia mais sobre isso aqui). 

Vários genes estão envolvidos na transmissibilidade da suscetibilidade à EM. Estas relacionam-se a marcadores inflamatórios e imunológicos, como receptores de células de defesa (células T), imunoglobulinas, fatores de complemento (moléculas que realizam a opsonização, ou marcação de moléculas estranhas para destruição), receptores de moléculas de inflamação (citoquinas e quimiocinas) chamadas de interleucinas, fator de necrose tumoral (outra das moléculas envolvidas na inflamação), além de genes relacionados a moléculas da mielina (a bainha que cobre os nervos), como a proteína básica da mielina.

Alguns genes modificam o curso da EM, mas não a presença da doença em uma pessoa ou sua suscetibilidade. Estes genes afetam a regulação do sistema imune e a capacidade do sistema nervoso de ser atacado pela doença. Em certos grupos populacionais, portanto, a doença pode ser mais severa e sua instalação mais precoce. A presença da molécula de apolipoproteína E (ligada também à doença de Alzheimer) é mais comum em formas mais graves e progressivas da doença. Algumas mutações associam-se a doença de evolução mais lenta.

Não há geneticamente como prever o desenvolvimento da doença, ainda, pois pouco ainda se sabe como a doença evolui em termos genéticos. Mas no futuro, poderemos responder a mais questões como esta.


quinta-feira, março 07, 2013

Esclerose múltipla e fatores ambientais


Este artigo foi tirado a partir de informações do site Medlink

Vários fatores do ambiente podem determinar aumento ou diminuição do risco de desenvolvimento da esclerose múltipla (EM), associadamente a determinantes genéticos. Alguns estudos, embora com resultados conflitantes, demonstram que pessoas que migraram de locais de baixa incidência para locais de alta incidência da doença antes dos  seus 15 anos de idade possuem risco mais alto de desenvolver a doença em comparação a pessoas que migraram após os 15 anos de idade, o que sugere que alguns fatores ambientais determinam cedo a possibilidade de desenvolvimento da doença.

Sabe-se que a EM não é transmitida de mãe para o feto (transmissão via placenta ou vertical), nem através do leite materno, nem através de transfusões de sangue ou relações sexuais, o que fala contra infecções virais como causa da doença. No entanto, estas mesmas infecções podem ocasionalmente desencadear surtos em pacientes já com a doença. Há vários vírus envolvidos nisso, principalmente os vírus responsáveis por infecções respiratórias. O tratamento com interferons (um dos tratamentos para a forma mais comum da doença, a remitente-recorrente) não reduz as taxas de infecções virais, mas previne que estas infecções desencadeiem surtos. 

Infecções bacterianas também podem aumentar o risco de surtos em EM. Sabe-se também que pacientes portadores de EM que fumam, talvez pela possibilidade de inflamações brônquicas como bronquites, além da ativação do sistema imune respiratório, têm 60% mais chance de apresentarem um surto que não fumantes (esta é uma boa hora para você parar de fumar). Também sabe-se que fumantes regulares têm duas vezes mais chance de terem EM, sendo o risco maior em homens que em mulheres, e talvez maior na adolescência. 

Alguns estudos associam cáries dentárias a uma alta incidência de esclerose múltipla, talvez pelo fato de cáries serem processos inflamatórios, assim como periodontite. Portanto, vá sempre ao seu dentista e trate seus dentes.

Um assunto que vem dominando o cenário da EM é o uso de vitamina D. Ao que parece, a vitamina D (1,25-dihidróxi-colecalciferol) afeta o início e a evolução da doença. Sabe-se que a vitamina D é produzida na pele através do contato dos raios ultravioleta do sol com moléculas de colesterol. A variação sazonal (ou seja, de acordo com as estações do ano e mudanças climáticas) na atividade da EM possivelmente relaciona-se à ingesta ou produção cutânea de vitamina D, mas ainda não se sabe exatamente se isso é verdade. Sabe-se que a exposição ao sol regula a imunidade de vários modos. 

Vários estudos demonstram, talvez não de modo consistente, que:

1. Aparentemente níveis aumentados de vitamina D no sangue correlacionam-se com resistência ao desenvolvimento da EM;

2. Consumo de peixe, pessoas que trabalham em ambientes externos, trabalhadores rurais, têm menos chance de problemas sérios causados por EM;

3. Mães com alta ingesta de vitamina D têm menos chance de terem filhos com EM;

4. Enfermeiras (mas pode ser qualquer mulher) que fazem uso de suplementos de vitamina D (o artigo sugere 400UI ou mais por dia, o que já é uma boa dose) têm 40% menos chance de desenvolver EM que as que não fazem uso, apesar de talvez haver diferenças no estilo de vida entre os dois grupos, o que pode responder por esta discrepância entre riscos;

Estas "evidências" acima necessitam de mais estudos para serem completamente comprovadas.

Pacientes com EM parecem ter níveis séricos (no sangue) de vitamina D menores. Mas, contrário ao que se demonstra acima, os genes responsáveis pelas vias metabólicas de produção da vitamina D não têm correlação com riscos de esclerose múltipla, o que sugere que há mais fatores envolvidos além da simples deficiência da vitamina D.

Obesidade em adolescentes e adultos jovens parece dobrar o risco de desenvolver EM, pelo simples fato de os hormônios produzidos pela gordura levarem a inflamações (serem pró-inflamatórios).

Ou seja, há vários fatores ambientais potenciais (ainda em estudo para comprovar sua veracidade) envolvidos, e quase todos são modificáveis (tabagismo, excesso de peso, alimentação, saúde dos dentes). 

Além disso, há ainda a necessidade de mais e mais estudos para confirmar se o tratamento com vitamina D pode mesmo alterar a evolução da doença (por enquanto, isso é somente uma hipótese - leia mais sobre isso aqui e aqui - links em inglês). Fora isso, o tratamento com vitamina D deve ser administrado por médico conhecedor do assunto para que se evitem complicações do uso em excesso da vitamina (a chamada hipervitaminose D que, segundo a Wikipedia pode levar a sintomas agudos, como desidratação, vômitos, irritabilidade, fadiga e fraqueza muscular, e a  sintomas crônicos, como aumento do conteúdo de cálcio no coração, rins, tecidos moles da pele e ossos, levar a produção de cálculos renais, além de hipertensão arterial).




terça-feira, março 05, 2013

Para que serve o exame de fundo de olho na investigação de dor de cabeça?

Em primeiro lugar, temos de saber o que é o exame de fundo de olho, e temos um post exatamente sobre isso, que seria interessante você ler antes de continuar este aqui - leia sobre o exame de fundo de olho aqui.

A retina, a parte neural do olho, é continuação do próprio cérebro através do nervo óptico. Na verdade, a retina e o cérebro são um só, sendo a retina uma parte especializada deste. 

O nervo óptico também é coberto pelas mesmas membranas que cobrem o cérebro (dura-máter, aracnóide e pia-máter), até uma extensão antes de sua saída da órbita, e também é parcialmente banhado por líquor. Isso significa que várias doenças que acometem o cérebro podem ser diagnosticadas pelo exame de fundo de olho.

Dor de cabeça pode ser causada por vários processos, como infecções (meningite), inflamações, aumento da pressão da cabeça por problemas na circulação do líquido cerebral (líquor), como nas hidrocefalias (leia mais sobre isso aqui), sangramentos cerebrais e outras doenças.

Em vários destes processos, especialmente os que levam a inflamação e aumento da pressão no cérebro, esta inflamação e este aumento de pressão podem se estender para o nervo óptico e aparecer no exame de fundo de olho, geralmente como edema de papila, ou seja, inchaço da retina.

Assim, o médico através do exame de fundo de olho pode, não dar o diagnóstico exato, mas suspeitar que algo de errado está ocorrendo na sua cabeça, e assim solicitar o exame certo para ajudar no diagnóstico.

Observe uma retina normal:

http://pharmaworlds.com/wp-content/uploads/www.pharmaworlds.jpg
Optic Disc é o disco óptico, o local onde penetram as fibras que vêm da retina para o nervo óptico, e de lá para o cérebro. Veja a cor clara e as bordas bem definidas do diaco óptico. A macula é a mácula ou fóvea, o local de maior concentração de células de cores, os cones, e portanto, o local de melhor visão do olho, ou o local da visão central (leia mais sobre as células da retina aqui).

Observe agora um exame de fundoscopia de um paciente com pressão aumentada na cabeça:

http://www.pedsoncologyeducation.com/img/pap1_002.jpg
Este é um fundo de olho de uma criança com um tumor cerebral. Compare com a figura acima - você consegue ver as bordas do disco óptico? E os vasos, parecem normais? Não, parecem dilatados, tortuosos. Também as bordas do disco estão completamente borradas, por conta de inchaço, edema, da papila.

Veja outro caso, desta vez de um paciente que teve um derrame, mas o coágulo que subiu pela carótida mandou um outro menor para a retina, causando obstrução da artéria central da retina e isquemia retiniana:

https://encrypted-tbn2.gstatic.com/images?q=tbn:ANd9GcRauObwHfi3I443cgonE1JHX-rOkreRyaClQAzhfTOcrdUkTpG0

Nesta caso acima, observe a parte de baixo da retina, esbranquiçada, por falta de sangue, contrastando com a parte de cima, boa. A artéria retiniana se divide em um ramo superior e um ramo inferior. Isquemias da retina ou afetam a retina inteira, ou afetam ou o segmento superior, ou o segmento inferior.

Ou seja, o exame de fundo de olho é extremamente importante na avaliação de qualquer dor de cabeça, e deve ser sempre feito.

Epidemiologia da esclerose múltipla


Artigo tirado do site da Medlink, site médico especializado pago do qual sou assinante (Medlink)

De acordo com a Wikipedia, Epidemiologia é o estudo (ou a ciência do estudo) dos padrões, causas e efeitos de condições de saúde e de doenças em grupos populacionais definidos (Leia aqui). Ou melhor, epidemiologia é o estudo de como a saúde, e as doenças, se comportam quando se leva em conta uma certa comunidade de pessoas.

Todas as doenças podem se estudadas em termos epidemiológicos, visando-se saber sua frequência, sua prevalência (a presença da doença na população), sua incidência (a presença de novos casos da doença na população), suas causas, suas consequências para a saúde, suas taxas de morbidade (ou seja, o quanto a doença afeta a qualidade de vida) e de mortalidade (o número de pessoas mortas pela doença na população), além de outras questões.

Para a esclerose múltipla (EM) não pode ser diferente. A EM é uma doença inflamatória e degenerativa que se caracteriza pela destruição da mielina, bainha que reveste os neurônios, no sistema nervoso central (para saber mais, leia aqui).

De acordo com o Ministério da Saúde, em uma portaria de 2010, a prevalência da esclerose múltipla no Brasil é de 15 casos para 100,000 habitantes, afetando pessoas em geral entre 18 e 55 anos de idade, embora casos muito precoces e muito tardios tenham sido raramente descritos (Leia aqui).

Nos EUA, em 1992 havia cerca de 250,000 a 350,000 casos de EM, sendo que em 2007, havia cerca de 400,000 casos. A prevalência estimada no mundo todo é de 1,250,000 casos, com uma incidência nos EUA de 4.2 a 7.5 casos novos para cada 100,000 pessoas por ano em 2007.

O número de casos de EM vem aumentando em algumas regiões do globo, ou pelo aumento real dos casos, ou pela melhora dos instrumentos de diagnóstico da doença. Em Minnesota, nos EUA, a prevalência da doença quintuplicou em 70 anos. Sabe-se que a prevalência e a incidência da doença são maiores em países mais frios localizados ao norte do globo, talvez por algum efeito genético, ou ambiental. Sabe-se também que várias outras doenças auto-imunes (Leia sobre isso aqui), como diabetes tipo 1, doença de Chron, e alergias ocorrem mais nestes mesmos países. 

Com relação à variação geográfica, ou seja, a distribuição da doença entre regiões do globo ou países, nota-se que a EM é relativamente rara em regiões próximas à linha do Equador, tornando-se mais frequentes à medida que nos aproximamos dos pólos. Há relação desta variação com heranças genéticas de certas populações do norte da Europa, especialmente a Escandinávia, mas há também influências ambientais. No entanto, em várias regiões, como os EUA, esta diferença da prevalência da doença entre a parte norte e a parte sul está ficando cada vez menor. A incidência é de mais de 30 casos novos por 100,000 pessoas da Islândia à Rússia, além do Canadá, Nova Zelândia e sul da Austrália  (que localizam-se ao sul do planeta, próximo da Antártida). 

A incidência é moderada (em torno de 5 a 29 casos novos por 100,000 habitantes) na região do Mediterrâneo, sul dos EUA e sul da América do Sul. A incidência é pequena (menos de 5 casos novos por 100,000 habitantes) no leste da Ásia, Índia, África, Caribe, América Central, México e Norte da América do Sul. 

Estudos genéticos e de migração, étnicos (ou seja, de raças) e estudos de gêmeos sugerem que genes e o ambiente ambos influenciam o desenvolvimento da EM. Geneticamente,  por exemplo, imigrantes da mesma região de origem que migraram para Israel têm metade da prevalência que judeus nativos da região, sugerindo um componente ambiental. Já outros grupos têm taxas de prevalência mais baixas, como negros africanos, asiáticos e ciganos, sugerindo componentes genéticos. 

Afrodescendentes americanos nascidos em qualquer lugar dos EUA (e geralmente mestiços de outras raças) têm um risco relativo mais alto de ter EM que negros africanos nativos, mas metade da chance de caucasianos (brancos) americanos. A doença é ainda um pouco diferente da doença apresentada por caucasianos. 

Ou seja, há componente genético envolvido, mas não podemos descartar em nenhuma hipótese a participação de fatores ambientais (que serão discutidos no próximo post) na determinação dos riscos de desenvolvimento da EM.

domingo, março 03, 2013

Genética da enxaqueca


A cefaleia primária conhecida como enxaqueca tem sido assunto de muitos estudos em genética. E a observação de pacientes e seus familiares demonstra claramente que, não todos, mas muitos pacientes com enxaqueca possuem familiares de primeiro grau (pais ou irmãos) que também sofrem da mesma dor de cabeça, sugerindo fortemente a presença de causas ou fatores genéticos de predisposição à doença.

Enxaqueca é uma das doenças neurológicas que ocorrem em família, muitas vezes com vários familiares afetados, incluindo irmãos, pais, avós, tios e primos. Há vários estudos clássicos de gêmeos monozigóticos (idênticos) e dizigóticos (não idênticos) demonstrando que os monozigóticos, mesmo criados em ambientes diferentes, compartilham a mesma dor de cabeça. Fora isso, há síndromes raras de enxaqueca, como a migrânea hemiplégica familiar, que leva a dores intensas e severas de enxaqueca com tontura, alterações de consciência e paralisia de um lado do corpo, que possuem inclusive mutações genéticas bem determinadas e associadas, inclusive, a outras doenças como certas formas de epilepsia.

Pelos estudos, sabe-se que, em relação às formas comuns de enxaqueca, a prevalência (frequência de uma doença em uma população específica) de dor de cabeça em familiares de primeiro ou segundo grau de um paciente com enxaqueca é maior do que na população em geral, sendo que os números variam entre vários estudos feitos em vários locais diferentes e com métodos não muito homogêneos. Assim, entre muitos estudos, o risco de enxaqueca nos familiares de um paciente com enxaqueca varia de 1.4 (1.4 vezes mais chance de ter enxaqueca que a população em geral) nos casos de enxaqueca sem aura a 4.0 nos casos de enxaqueca com aura. 

Um estudo metódico feito na Dinamarca, em Copenhague, em 1995, avaliando 1109 familiares de primeiro grau e 229 cônjuges de 378 pacientes com enxaqueca e pessoas que nunca tiveram enxaqueca demonstrou que parentes de primeiro grau de pacientes com enxaqueca sem aura tinham 1.9 vezes mais chance de terem enxaqueca sem aura e 1.4 vezes mais chance de terem enxaqueca com aura do que a população em geral, e os parentes de primeiro grau de pacientes com enxaqueca com aura tinham quase 4 vezes mais chance de terem enxaqueca com aura (mas sem maior risco de enxaqueca sem aura) que a população em geral, indicando que as duas formas de enxaqueca podem diferir em termos de genética, e portanto, causas, sendo que a enxaqueca com aura parece ter um componente genético mais intenso, apesar de haver participação do meio e de hábitos de vida, enquanto que a enxaqueca sem aura compartilha fatores genéticos com riscos ambientais, como alimentação e hábitos de vida. 

Fora isso, o mesmo estudo também demonstrou que familiares de pacientes com enxaqueca sem aura não possuíam nenhum risco aumentado de terem enxaqueca com aura, e que familiares de pessoas que nunca tiveram enxaqueca não tinham risco aumentado de desenvolverem a doença.

Os clássicos estudos de gêmeos, já comentados brevemente acima, comparando taxas de concordância (ou seja, de que ambos os gêmeos compartilhem o mesmo problema clínico) entre gêmeos mono e dizigóticos demonstram que gêmeos monozigóticos possuem taxas de concordância mais altas que os dizigóticos, sendo que, entre os vários estudos, a proporção do componente clínico (ou Fenótipo, que é a manifestação visível, clínica, de uma variação genética qualquer, ao que chamamos de Genótipo) que pode ser explicada por variações no genótipo variaram de 28 a 65%. 

Um estudo feito com pacientes da Europa e Austrália, e publicado em 2003, com 29,717 pares de gêmeos, a hereditariedade da dor variou de 34 a 57%, sendo maior a concordância de taxas de enxaqueca para gêmeos monozigóticos, mesmo quando os gêmeos haviam sido criados separados, demonstrando a importância da genética sobre o ambiente na determinação do risco de desenvolver enxaqueca. Os resultados dos estudos com gêmeos sugerem um risco de 50% de hereditariedade da enxaqueca, com herança multifatorial e poligênica (ou seja, não somente um gene envolvido, mas vários).

Vários estudos têm demonstrado que a enxaqueca, tirando formas raras como a migrânea hemiplética familiar, não é uma doença de um gene só, mas uma doença poligênica e multifatorial, ou seja, com vários fatores envolvidos.

Há mutações em genes que codificam moléculas específicas, como canais de passagem de cálcio nas células, e há mutações em loci de suscetibilidade (um Locus é o local onde encontramos os Alelos. No nosso DNA, cada locus possui dois alelos, que juntos determinam uma característica nas heranças de um gene só, ou monogênicas, ou contribuem para a formação de uma característica nas heranças poligênicas. Um Locus de suscetibilidade é o local onde fica um alelo que contribui não sozinho, mas havendo uma combinação de fatores genéticos e ambientais, para que uma característica ocorra. Como exemplo, imagine que você possua um locus de suscetibilidade para câncer de pulmão, que vai se desenvolver somente se você fumar; caso contrário, caso você nunca ponha um cigarro na boca, você não desenvolverá o câncer).

Há vários estudos sugerindo vários loci para populações de países diferentes, sem ainda um consenso. Mas sabe-se que as mesmas mutações genéticas em uma família podem se associar a variações na dor, tupo, intensidade ou frequência e fatores associados, sugerindo interações entre fatores genéticos e ambientais. Isso explica, talvez, por que a sua dor pode ser diferente da dor da sua mãe, mesmo sendo ambas diagnosticadas como enxaqueca.

Pelo que foi escrito acima, nota-se que a enxaqueca é uma doença complexa em termos genéticos, sem um gene único envolvido, mas provavelmente vários tipos de mutações diferentes, que compartilham a característica de serem influenciadas pelo meio ambiente, alimentação e hábitos de vida, como o uso de álcool, o fumo, o uso de certas medicações, alterações hormonais ou alimentação.