domingo, março 03, 2013

Genética da enxaqueca


A cefaleia primária conhecida como enxaqueca tem sido assunto de muitos estudos em genética. E a observação de pacientes e seus familiares demonstra claramente que, não todos, mas muitos pacientes com enxaqueca possuem familiares de primeiro grau (pais ou irmãos) que também sofrem da mesma dor de cabeça, sugerindo fortemente a presença de causas ou fatores genéticos de predisposição à doença.

Enxaqueca é uma das doenças neurológicas que ocorrem em família, muitas vezes com vários familiares afetados, incluindo irmãos, pais, avós, tios e primos. Há vários estudos clássicos de gêmeos monozigóticos (idênticos) e dizigóticos (não idênticos) demonstrando que os monozigóticos, mesmo criados em ambientes diferentes, compartilham a mesma dor de cabeça. Fora isso, há síndromes raras de enxaqueca, como a migrânea hemiplégica familiar, que leva a dores intensas e severas de enxaqueca com tontura, alterações de consciência e paralisia de um lado do corpo, que possuem inclusive mutações genéticas bem determinadas e associadas, inclusive, a outras doenças como certas formas de epilepsia.

Pelos estudos, sabe-se que, em relação às formas comuns de enxaqueca, a prevalência (frequência de uma doença em uma população específica) de dor de cabeça em familiares de primeiro ou segundo grau de um paciente com enxaqueca é maior do que na população em geral, sendo que os números variam entre vários estudos feitos em vários locais diferentes e com métodos não muito homogêneos. Assim, entre muitos estudos, o risco de enxaqueca nos familiares de um paciente com enxaqueca varia de 1.4 (1.4 vezes mais chance de ter enxaqueca que a população em geral) nos casos de enxaqueca sem aura a 4.0 nos casos de enxaqueca com aura. 

Um estudo metódico feito na Dinamarca, em Copenhague, em 1995, avaliando 1109 familiares de primeiro grau e 229 cônjuges de 378 pacientes com enxaqueca e pessoas que nunca tiveram enxaqueca demonstrou que parentes de primeiro grau de pacientes com enxaqueca sem aura tinham 1.9 vezes mais chance de terem enxaqueca sem aura e 1.4 vezes mais chance de terem enxaqueca com aura do que a população em geral, e os parentes de primeiro grau de pacientes com enxaqueca com aura tinham quase 4 vezes mais chance de terem enxaqueca com aura (mas sem maior risco de enxaqueca sem aura) que a população em geral, indicando que as duas formas de enxaqueca podem diferir em termos de genética, e portanto, causas, sendo que a enxaqueca com aura parece ter um componente genético mais intenso, apesar de haver participação do meio e de hábitos de vida, enquanto que a enxaqueca sem aura compartilha fatores genéticos com riscos ambientais, como alimentação e hábitos de vida. 

Fora isso, o mesmo estudo também demonstrou que familiares de pacientes com enxaqueca sem aura não possuíam nenhum risco aumentado de terem enxaqueca com aura, e que familiares de pessoas que nunca tiveram enxaqueca não tinham risco aumentado de desenvolverem a doença.

Os clássicos estudos de gêmeos, já comentados brevemente acima, comparando taxas de concordância (ou seja, de que ambos os gêmeos compartilhem o mesmo problema clínico) entre gêmeos mono e dizigóticos demonstram que gêmeos monozigóticos possuem taxas de concordância mais altas que os dizigóticos, sendo que, entre os vários estudos, a proporção do componente clínico (ou Fenótipo, que é a manifestação visível, clínica, de uma variação genética qualquer, ao que chamamos de Genótipo) que pode ser explicada por variações no genótipo variaram de 28 a 65%. 

Um estudo feito com pacientes da Europa e Austrália, e publicado em 2003, com 29,717 pares de gêmeos, a hereditariedade da dor variou de 34 a 57%, sendo maior a concordância de taxas de enxaqueca para gêmeos monozigóticos, mesmo quando os gêmeos haviam sido criados separados, demonstrando a importância da genética sobre o ambiente na determinação do risco de desenvolver enxaqueca. Os resultados dos estudos com gêmeos sugerem um risco de 50% de hereditariedade da enxaqueca, com herança multifatorial e poligênica (ou seja, não somente um gene envolvido, mas vários).

Vários estudos têm demonstrado que a enxaqueca, tirando formas raras como a migrânea hemiplética familiar, não é uma doença de um gene só, mas uma doença poligênica e multifatorial, ou seja, com vários fatores envolvidos.

Há mutações em genes que codificam moléculas específicas, como canais de passagem de cálcio nas células, e há mutações em loci de suscetibilidade (um Locus é o local onde encontramos os Alelos. No nosso DNA, cada locus possui dois alelos, que juntos determinam uma característica nas heranças de um gene só, ou monogênicas, ou contribuem para a formação de uma característica nas heranças poligênicas. Um Locus de suscetibilidade é o local onde fica um alelo que contribui não sozinho, mas havendo uma combinação de fatores genéticos e ambientais, para que uma característica ocorra. Como exemplo, imagine que você possua um locus de suscetibilidade para câncer de pulmão, que vai se desenvolver somente se você fumar; caso contrário, caso você nunca ponha um cigarro na boca, você não desenvolverá o câncer).

Há vários estudos sugerindo vários loci para populações de países diferentes, sem ainda um consenso. Mas sabe-se que as mesmas mutações genéticas em uma família podem se associar a variações na dor, tupo, intensidade ou frequência e fatores associados, sugerindo interações entre fatores genéticos e ambientais. Isso explica, talvez, por que a sua dor pode ser diferente da dor da sua mãe, mesmo sendo ambas diagnosticadas como enxaqueca.

Pelo que foi escrito acima, nota-se que a enxaqueca é uma doença complexa em termos genéticos, sem um gene único envolvido, mas provavelmente vários tipos de mutações diferentes, que compartilham a característica de serem influenciadas pelo meio ambiente, alimentação e hábitos de vida, como o uso de álcool, o fumo, o uso de certas medicações, alterações hormonais ou alimentação.