quinta-feira, agosto 14, 2014

Angiíte Primária do Sistema Nervoso Central

Angiíte é um termo que significa inflamação (itis) dos vasos (angios). Outro termo para isso é vasculite, significando literalmente inflamação vascular. A angiíte primária do SNC é um termo utilizado para designar uma vasculite própria, primária, do sistema nervoso central (cérebro, tronco cerebral, medula e meiniges), sem quaisquer manifestações fora do sistema nervoso, ou seja, sem sintomas ou sinais de outras partes do corpo, e com exames de inflamação colhidos do sangue todos negativos. A partir de agora, referiremo-nos à esta angiíte como APCNS.

Há várias formas de vasculites secundárias, ou seja, causadas por outras doenças e que podem ter manifestações cerebrais, sendo estas muito mais comuns que a  APCNS, como vasculites, tais como a síndrome de Sjögren, o Lúpus Eritematoso Sistêmico, a granulomatose de Wegener, a doença de Behçet; drogas como a cocaína e as anfetaminas; infecções como  meningites, vírus varicella-zoster; linfomas, leucemias, e a sarcoidose. 


 A APCNS foi descrita pela primeira vez em 1922, mas somente a partir de 1954 que a doença começou a ser melhor estudada. Ou seja, é uma doença de descrição muito recente. Até 1983, não havia tratamento. Após as várias descrições de casos, a APCNS começou a ser diagnosticada com mais frequência e se tornar mais comum. O próprio nome "Angiíte Primária do Sistema Nervoso Central" só começou a ser usado em 1988.

A APCNS é uma inflamação que pode produzir praticamente qualquer sintoma neurológico dependendo da área cerebral afetada. Dores de cabeça, confusão mental, fraqueza de um lado do corpo (hemiparesia) são os sintomas mais comuns (ou seja, simulam um derrame). A dor de cabeça pode ser leve a moderada. Derrames múltiplos, quadro de esquecimentos progressivos com confusão mental, problemas de movimento como coreias, dores, crises epilépticas e desequilíbrio podem ocorrer. Os pacientes não apresentam, como em outras vasculites, febre, lesões de pele ou perda de peso. Há várias outras manifestações da doença, no entanto.

Alguns pacientes podem ter sintomas semelhantes aos de tumores cerebrais, esclerose múltipla, encefalites (inflamações do cérebro), meningites crônicas, doenças da medula, e mesmo sangramento cerebral. Pode haver lesão isolada da medula espinhal em 14% dos casos.

Ou seja, a APCNS é uma doença incomum e bastante difícil de diagnosticar, pois pode simular várias doenças neurológicas. 

Sua causa é desconhecida, e a doença comete 1 a 2 pessoas por 1 milhão (ou seja, muito rara). A doença já foi descrita na Europa, EUA, Austrália, Nova Zelândia. Há menos casos registrados na Ásia, África e América do Sul. A maior parte das pessoas acometidas está entre 30 e 50 anos de idade, com média de 43 a 50 anos. Mas idades tão precoces quanto 3 anos e tão adiantadas como 71 anos já foram descritas. 

Não há prevenção da doença. 

O diagnóstico depende da suspeita do médico, pois este que irá sugerir e perseguir o diagnóstico. Exames de sangue estão geralmente normais, o que auxilia em descartar doenças sistêmicas. O exame do líquor demonstra inflamação. A ressonância magnética do crânio podem detectar lesões isquêmicas (derrames) em mais de 70% dos casos, e caso a ressonância venha normal, o diagnóstico de APCNS se torna improvável. Mas as alterações podem ser muito inespecíficas. Exames de angiografia por ressonância ou cateterismo cerebral (estudos de vasos cerebrais) podem auxiliar no diagnóstico, mas da mesma forma, os achados podem ser inespecíficos, ou seja, podem ocorrer em várias doenças, e não somente na APCNS. Os estudos de vasos podem ser normais em 40% dos pacientes.

O exame melhor no diagnóstico, no entanto, é a biopsia, ou seja, o exame de uma amostra das meninges ou do cérebro do paciente obtidos em cirurgia. Mas da mesma forma, nem sempre a biopsia consegue dar o diagnóstico correto pois ela pode ser feita em uma área não afetada. Por isso, geralmente o neurocirurgião deve retirar material de área que demonstra estar afetada pela ressonância. A biopsia somente deve ser feita por médicos experientes, e deve ser indicada para ser feita.

Um exame oftalmológico à procura de alterações nos vasos do olho pode ajudar em alguns casos. 

O tratamento depende do médico que assiste o paciente, mas pode ser feito com o uso de esteroides e medicações usadas para controlar o sistema imunológico. 

Tremor essencial - Novas pespectivas, conforme solicitação

Já falamos sobre o tremor essencial em outra postagem

O tremor essencial (TE) é uma síndrome onde o tremor de mãos, e ocasionalmente de queixo e raramente de membros inferiores, é predominante, ou seja, não há outros sinais neurológicos além do tremor. Muita gente confunde TE com doença de Parkinson (DP), mas há muitas diferenças entre as duas doenças. O nome da doença é tremor essencial por que só há o tremor, e mais nada. 

A diferença mais importante é a evolução. O TE não evolui, apesar de poder piorar com o passar dos anos, ficar mais intenso, mas é só isso. Não aparecem mais sinais nem sintomas de outra doença neurológica. Já a DP evolui com o passar do tempo, e o tremor divide espaço com a lentidão (bradicinesia), rigidez das articulações, e mais tarde na doença dificuldade para andar e desequilíbrio. Ou seja, na DP há mais sinais e sintomas de outras áreas neurológicas, algo que não ocorre no TE.

O nome Tremor Essencial para definir uma síndrome de tremor praticamente puro foi criado em 1874, pelo médico italiano Pietro Burresi (Veja abaixo o original do artigo publicado pelo mesmo):

http://www.aptes.org/wordpress/wp-content/uploads/2012/03/Pietro-Burresi.jpg

O TE em geral afeta os membros superiores (em 95% dos pacientes). Em 34% há acometimento da cabeça (tremor da cabeça), 7% há tremor da boca/mandíbula, 12% apresentam tremor da voz (isso mesmo, a voz sai tremida, o que pode ser testado pedindo-e ao paciente que solte um aaaaaaaah ou um eeeeeeeeh bem longo), e 30% têm tremor das pernas.

O tremor costuma ser de ação (quando o paciente vai levar um copo ou um talher à boca, vai escrever ou vai levar o dedo ao nariz) e postural (quando o paciente eleva os braços e os mantêm estendidos em frente ao corpo). Não hpq quaisquer outros sinais neurológicos além do tremor, e a presença de outros sinais, como desequilíbrio, lentidão, quedas, dificuldade com o olhar, visão dupla, ou qualquer outro sinal diferente deve levar o médico a suspeitar de outra doença que não TE.

O tremor pode ser assimétrico, ou seja, um lado treme mais que o outro, mas praticamente todos os pacientes têm tremor dos dois lados do corpo, e quando o tremor é de um lado só o especialista geralmente desconfia do diagnóstico de TE. 

O tremor começa sem causa aparente (não há susto, trauma, queda, batida na cabeça, ou qualquer outra coisa que comece o tremor). Não há dia nem hora para ele começar. Mas o tremor pode piorar com nervosismo, ansiedade, falta de sono, uso de estimulantes como café, guaraná, energéticos, uso de algumas medicações como as usadas nas crises de bronquite (salbutamol ou brometo de ipratrópio usados nas inalações), uso de drogas como cocaína. O hipertireoidismo (aumento da função da tireoide, o contrário do hipotireoidismo) pode causar um tremor que parece com o tremor essencial, mas vem acompanhado de emagrecimento, taquicardia (batedeira no peito) e pressão alta, além de olhos esbugalhados em alguns pacientes e sudorese. 

O diagnóstico necessita de um neurologista especialista que tenha bastante vivência e experiência com várias causas de tremor. Somente conhecendo as várias causas de tremor, pode-se diagnosticar com segurança o TE.

A causa do TE é desconhecida. Há causas genéticas (pois 50% das pessoas que apresentam TE possuem vários familiares com a mesma condição, como irmãos, pai/mãe, tios e tias), que interagem com causas ambientais (não sabemos quais fatores do ambiente poderiam se juntar às causas genéticas para produzir o TE). 

Não se sabe ao certo qual o risco de um paciente com TE vir a desenvolver DP (uma pergunta que muitos pacientes e familiares de pacientes fazem). Aparentemente, os riscos são baixos, pois as duas doenças são diferentes entre si. Como são duas doenças muito comuns (o TE é uma das desordens de movimento mais comuns do mundo, e a DP é a segunda doença neurodegenrativa mais comum em pacientes acima de 65 anos, uma idade onde o TE é mais evidente), não dá para afirmar ao certo, mesmo com vários estudos, que há uma relação entre as duas doenças.

O tremor pode começar em qualquer idade, e sua prevalência (frequência da doença em uma população) aumenta com a idade. Geralmente a doença é mais comum após os 40 anos de idade. Cerca de 5 a 15% dos casos aparecem na infância, e os casos que começam antes dos 20 anos em geral são genéticos. 

De acordo com vários estudos internacionais, mais de 70% dos casos de TE não são diagnosticados por médicos (imagine aqui no Brasil esses números).

Não há métodos de prevenção da doença. O diagnóstico é clínico, ou seja, se baseia na história e no exame neurológico compatíveis com TE. Tomografia, ressonância de crânio e exames de sangue são todos normais no TE.

A eletroneuromiografia pode auxiliar na identificação de um tremor de 6 a 12 oscilações por segundo (Hertz ou Hz), o que não dá o diagnóstico, mas no quadro clínico compatível ajuda o médico a decidir sobre o diagnóstico. 

O tratamento se baseia no uso de medicações que possam controlar o tremor, pois não há cura para ele. Entre as medicações, temos o propranolol (que apesar de ser usado para controle de arritmias e pressão alta, ajuda a controlar o tremor), primidona e topiramato, Outras medicações como a gabapentina e o alprazolam podem ser usados.

Essas medicações somente devem ser usadas com perscrição médica! Nunca se automedique, e nunca use o blog como forma de diagnóstico ou de tratamento dos seus sintomas.

Há efeitos colaterais com cada uma dessas medicações que podem ser sérios, e devem ser revistos por um médico competente antes de serem prescritas. 

Entre outras formas de tratamento para formas mais graves de TE, há mesmo cirurgias de lesão de uma estrutura chamada de tálamo, e a colocaçãod e marcapasso cerebral (o famoso DBS ou estimulação cerebral profunda) em casos selecionados.