sábado, janeiro 03, 2015

Como é mesmo o efeito da toxina botulínica?

A toxina botulínica pode facilmente ser considerada uma das substâncias do século. Apesar de cara, tem sido cada vez mais utilizada no tratamento de vários tipos de doenças e condições. A neurologia é a especialidade onde a toxina encontrou mais indicações.

Mas como é que a toxina botulínica (BnT) age?

Antes de sabermos a ação da BnT, vamos conhecer um pouco sobre a placa motora, a região onde o nervo se une com o músculo. 

Os músculos (e as glândulas, como as que produzem a saliva) não funcionam sem o aporte dos nervos periféricos. Para que um músculo contraia (e uma glândula produza substâncias), é necessário que haja a comunicação entre o nervo e o músculo através da placa mioneural (ou, no caso das glândulas, a conexão entre estas e os nervos). 

O músculo possui receptores, substâncias que recebem e permitem a passagem de outras substâncias, localizadas em suas membranas. A substância mais importante para a contração muscular chama-se acetilcolina (ou ACh), um neurotransmissor. 

Observe abaixo:

https://humanphysiology2011.wikispaces.com/file/view/fig._7.26.jpg/217817416/643x453/fig._7.26.jpg
Esta imagem acima, linda por sinal, demonstra um desenho esquemático de um receptor de ACh na superfície do músculo. Quando a ACh liga-se ao músculo, há a entrada de sódio e a saída de potássio da célula, o que desencadeia um potencial de ação e inicia a contração muscular (se interessar, leia mais sobre isso aqui).

Mas de onde vem a ACh? Vem dos nervos que estão em contato com a superfície do músculo. A ACh é produzida em certos núcleos e trafega até as terminações destes nervos, onde ela é colocada em vesículas (pequenas bolinhas) em quantidades enormes (quanta, plural de quantum), e é liberada no espaço entre o nervo e o músculo (fenda sináptica).

Observe abaixo:

http://classconnection.s3.amazonaws.com/116/flashcards/1707116/png/ach_receptor1349230261545.png

http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/5/57/1009_Motor_End_Plate_and_Innervation.jpg/330px-1009_Motor_End_Plate_and_Innervation.jpg


Não achei figura melhor para demonstrar isso do que essas aí em cima. 

As vesículas de ACh não vão, no entanto, para a membrana do nervo para serem liberedas de modo espontâneo, ou seguindo algum instinto mágico. Elas necessitam de outras substâncias que as ancorem e as puxem em direção à terminação do nervo para, finalmente, serem liberadas.

A essas moléculas chamamos de moléculas de ancoragem, e há várias delas. Observe abaixo:

http://www.ipsifar.rm.cnr.it/immagini/Sinaptyv%20vesicle2.JPG
Essas espirais coloridas que você vê acima são as representações esquemáticas de várias moléculas que puxam a vesícula de ACh em direção à fenda sináptica para liberação. Sem elas, a ACh fica parada, boiando dentro do terminal sináptico, e não sai para a fenda para se ligar aos receptores do músculo.

E aqui chegamos à nossa pergunta inicial. Como age a toxina botulínica?

Vamos ver a toxina mais de perto.

http://www.ebi.ac.uk/biomodels/ModelMonth/2010-08/fig1.png
Diga oi para a BnT. Ela possui duas cadeias, uma vele (light chain) e uma pesada (heavy chain), unidas por uma ponte de dois átomos de enxofre (S), ou ponte dissulfeto, extremamente frágil.

A BnT para funcionar precisa estar inteira. Por isso que ela tem de ser armazenada em geladeira e não pode ser muito balançada além do ideal para sua reconstituição em soro fisiológico quando preparada.

A cadeia pesada serve para abrir uma brecha dentro da terminação onde estão as vesículas de acetil colina. Quem age mesmo é a cadeia leve. E o que ela faz?? Justamente destroi as proteínas que puxam a ACh para se ligar à membrana. Ou seja, a BnT deixa as vesícular de ACh boiando dentro do terminal.

Observe abaixo:

http://www.studentpulse.com/article-images/uploaded/324_1.jpg
Na parte de cima da figura, a transmissão normal. Na parte de baixo, a transmissão com as proteínas de ancoragem destruídas pela BnT.

Há cerca de 7 sorotipos de BnT, de A até G. No Brasil usamos somente o tipo A. Nos EUA e Europa, usam-se os tipos A e B. E no Japão, pode ser utilizado o tipo F. Na figura abaixo, estão algumas das proteínas de ancoragem e as toxinas que agem sobre elas.

http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/8/8b/Presynaptic_CNTs_targets.svg/2000px-Presynaptic_CNTs_targets.svg.png
Muito bem. Espero que tenham entendido. Qualquer dúvida, não hesitem em contactar-se por email (sekeff@hotmail.com), ou postar no blog no Facebook.

Até outro post.